João Cancelinha de Oliveira

Entrevista

Olhando para o desenvolvimento que a região teve nos últimos 10 anos, qual a perspetiva para os próximos 10 anos? Especificamente, no que diz respeito a obras públicas em geral, infraestruturas, em particular e investimentos privados na região, o que está em falta?
A região teve um desenvolvimento, penso que sustentável, nos últimos anos nas mais variadas áreas, fruto da aplicação dos vários quadros comunitários. Acresce que as acessibilidades a este interior também foram fortemente melhoradas, pelo que estão criadas as condições para que o mesmo seja mais apetecível e possam aparecer, paulatinamente, os que foram designados no pretérito, como os novos colonizadores.
Para isso temos que investir mais em ordenamento do território, em criar condições para o investimento privado (hotéis, industria, lazer), ou seja, de uma forma geral investir criteriosamente a pensar nas pessoas que poderão usufruir desse investimento como modo de as tentar fixar nestes territórios.
 
O atual Plano de Recuperação e Resiliência, recentemente apresentado pelo Governo, atende às necessidades do interior e em particular dos distritos de Bragança e Vila Real?
O PRR estrutura-se em três dimensões: a resiliência, a transição climática e a transição digital, que por sua vez se desenvolve em nove roteiros para a retoma do crescimento sustentável e inclusivo. Todos os roteiros são pontos de vulnerabilidade da nossa região, catalogada de interior (que efetivamente é) mas, que por essa designação, sempre foi preterida na aposta à aplicação dos fundos comunitários adequados às necessidades efetivas.
Como sempre, as nossas regiões poderão, mais uma vez, ser preteridas no que diz respeito às percentagens dos apoios previstos, ou seja, poderemos tomar o PRR como um quadro comunitário de urgência, aplicado nos mesmos moldes que os quadros comunitários anteriores e, que mais uma vez, estas regiões são consideradas de segunda linha. Basta ver o que está previsto para a ferrovia, uma das grandes apostas deste governo/PRR, e verificar que para estas regiões, com uma vasta linha de fronteira com Espanha e com a saída mais natural para o norte da Europa, o valor do investimento é de 0€.
 
Quais os desafios e oportunidades para os engenheiros e para as empresas de engenharia da nossa região, nos próximos anos, quando comparados com a realidade do litoral? 
Penso que os tempos mais recentes, pré-pandemia, estavam a movimentar o investimento no interior, essencialmente privado e na área da construção, fruto da expansão do turismo do litoral para o interior. Estes investimentos começaram a movimentar, com mais vigor, o trabalho para os engenheiros e, concomitantemente para as empresas. Estando nós a sair duma intervenção do país pela troika, eis que aparece a pandemia que tanto nos assolou e continua a assolar. Esta situação levou a que houvesse uma desaceleração dos processos de construção, nomeadamente a recuperação de edificado antigo. Porém eis que essa situação torna a recuperar fruto da resiliência dos investidores, pois acreditam que os territórios do interior vão ter a sua recompensa.
Por isso todos seremos parte integrante da nova realidade do interior e, por isso, deveremos ser proativos na cavalgada da nossa região para o reconhecimento da mesma como uma oportunidade de novas vivências, sejam passageiras ou permanentes.
Ou seja, a realidade do litoral, que já se estava a expandir para o interior, vai continuar pois as pessoas têm necessidade de poder viver com a qualidade de vida que o mesmo litoral não lhes pode proporcionar.
 
Quais as áreas de oportunidade para a engenharia no futuro próximo? Ambiente? Economia circular? Energia? Modos Suaves? Urbanismo?  A atual situação pandémica veio trazer um novo olhar do litoral em relação ao interior, sobretudo no estilo de vida, no contacto com a natureza, etc. Este reconhecimento nas virtudes do interior será apenas passageiro ou poderá criar, ou consolidar, oportunidades no desenvolvimento destas regiões?
Penso que poderão ser elencadas todas as áreas de oportunidade para a engenharia, referidas na questão, sendo necessário adaptá-las ao estado atual da nossa vivência neste mundo, pois a engenharia também poderá tornar este planeta melhor com o conhecimento científico aplicado na devida proporção e em sintonia com o que nos proporciona.
Como já referido a pandemia veio, penso eu, atrasar um pouco, a atratividade do interior pelos  litoralistas. Há uma certa necessidade de estes poderem viver uma vida mais pacata, rodeados de todas as comodidades que no pretérito não tinham e que só o conseguiriam imigrando para o tal litoral.
Assim entendo que a pandemia não foi o fator de chamada da imigração para o interior. Esse fator já estava em curso, se bem que de uma forma muito ligeira. Acho que a expressão novos povoadores se adequa ao fenómeno que está a acontecer. Como é evidente todo este movimento tenderá a potenciar o desenvolvimento das regiões em causa, por inércia da criação de condições para que estes se sintam bem nestes territórios.