Jorge Nogueiro Gomes

Entrevista

Olhando para o desenvolvimento que a região teve nos últimos 10 anos, qual a perspetiva para os próximos 10 anos? Especificamente, no que diz respeito a obras públicas em geral, infraestruturas, em particular e investimentos privados na região, o que está em falta?
Olhar para esta região e perspetivar os próximos anos convoca-nos a perceber que é urgente fixar pessoas e repensar estratégias que invertam a tendência demográfica das últimas décadas, marcada pelo despovoamento e pelo envelhecimento da população. Importa, por isso, conhecer e valorizar o potencial da região, rompendo com uma falsa conceção de interioridade que limita o desenvolvimento que ansiamos. A aposta tem de assentar em políticas públicas que alinhem competências e investimentos para reforçar a mobilidade das pessoas dentro do território e melhorar as ligações ao resto do país, mas também aproveitar a mais-valia que advém da proximidade com a fronteira com Espanha e que ultrapassa o âmbito local, colocando o país mais perto da Europa. Terá de existir «engenho e arte» para criar valor a partir do potencial diferenciador das nossas paisagens, da gastronomia, das tradições e do que nos distingue para alavancar o turismo e, consequentemente, dinamizar a economia.
O atual Plano de Recuperação e Resiliência, recentemente apresentado pelo Governo, atende às necessidades do interior e em particular dos distritos de Bragança e Vila Real?
O Plano de Recuperação e Resiliência é ambicioso no sentido de assegurar um território simultaneamente competitivo e coeso, procurando responder à transformação das economias e sociedades, nomeadamente ao desafio demográfico, às desigualdades, à digitalização e às alterações climáticas. É inquestionável a sua importância para o país e, concretamente, para estas regiões.
Refletindo a estratégia governativa dos últimos anos, o PRR materializa os objetivos do Governo de valorização dos recursos endógenos e da capacidade empresarial do interior, de promoção da cooperação transfronteiriça para a internacionalização de bens e serviços de captação de investimento e fixação de pessoas e de tornar os territórios do interior mais competitivos.
Se é a resposta que estas regiões precisam? Faz parte da abordagem integrada e continuada que alavancar estas regiões implica. O PRR não pode ser interpretado de forma estanque. É importante que seja considerado a par, a título de exemplo, com o Portugal 2020, em execução, e com o próximo Quadro Comunitário PT 2030. Mas é certo que reconhece a tendência de desertificação dos territórios do interior e a importância de corrigir as assimetrias regionais, propondo mecanismos de mitigação e priorizando, também, importantes respostas sociais por via do reforço das redes de apoio aos idosos, crianças e famílias.
Quais os desafios e oportunidades para os engenheiros e para as empresas de engenharia da nossa região, nos próximos anos, quando comparados com a realidade do litoral? 
Em Portugal, como em toda a Europa, tem crescido a preocupação com a pobreza energética e com o respetivo impacto na saúde e no bem-estar das pessoas, mas também no meio ambiente e na produtividade. Esta consciencialização levou a Comissão Europeia a aprovar, em 2016, o pacote de medidas «Energia Limpa para todos os Europeus», com o objetivo de dar prioridade à eficiência energética, alcançar a liderança mundial em energia de fontes renováveis e estabelecer condições equitativas para os consumidores, reduzindo as emissões de CO2 e simultaneamente modernizando a economia e garantindo crescimento e emprego. Esta abordagem encontra reflexo no Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), no Programa de Apoio “Edifícios mais Sustentáveis” e no Plano de Recuperação e Resiliência, que promove a reabilitação, a descarbonização, a eficiência energética, a eficiência hídrica e a economia circular em edifícios, contribuindo para a melhoria do seu desempenho energético e ambiental. Neste contexto e percebendo esta urgência, o Governo acaba de aprovar a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE), através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8-A/2021. Em causa está o reconhecimento de que reabilitar e tornar os edifícios energeticamente mais eficientes permitirá reduzir a fatura e a dependência energética do país, melhorar os níveis de conforto e qualidade do ar interior, beneficiar a saúde, promover a produtividade laboral, combater a pobreza energética, contribuindo para a resiliência climática dos edifícios, das cidades e, consequentemente, do país. Sendo esta uma preocupação que ultrapassa o nível regional, ganha preponderância quando pensamos em regiões empobrecidas e climaticamente mais expostas a baixas temperaturas. É, assim, um desafio e uma oportunidade que merece a nossa particular atenção.
Quais as áreas de oportunidade para a engenharia no futuro próximo? Ambiente? Economia circular? Energia? Modos Suaves? Urbanismo?
O conhecimento adquirido e a crescente consciencialização dos riscos associados a um sistema climático em crise, considerando a especial vulnerabilidade do território nacional e o esperado agravamento de fenómenos extremos, implica encontrar respostas ambiciosas aos níveis comunitário e nacional, mas também local. A descarbonização da economia, a promoção da economia circular, a valorização do território e do capital natural devem orientar a recuperação socioeconómica do país, em todas as áreas, e devem ser perspetivadas como oportunidades de crescimento. Não é por acaso que a Transição Energética é um pilar determinante do Plano de Recuperação e Resiliência. Concretizar a mudança de paradigma que se impõe significa necessariamente inovar, transformar a economia e evoluir para um modelo mais eficiente no uso regenerativo dos recursos. Neste domínio, o setor dos transportes, responsável por 24% das emissões de gases com efeito de estufa e por 74% do consumo de petróleo em Portugal e sendo uma das principais fontes de ruído e de poluição do ar, deverá, até 2030, reduzir as suas emissões em 40%. É, portanto, um setor a ter em linha de conta nesta mudança e a abordagem deverá privilegiar o transporte público acessível e de qualidade, a generalização dos veículos elétricos, sem esquecer as formas de mobilidade ativa, como o uso da bicicleta. Também o ordenamento do território e, paralelamente, a reabilitação urbana, dirigidas à qualidade de vida dos cidadãos, constituem setores que nos devem mobilizar. No mesmo sentido, há que considerar que proteger e valorizar o ambiente e os recursos naturais implica atentar aos perigos do aumento de resíduos. As abordagens legislativas, nacional e comunitária, têm sido reforçadas, mas importa envolver a população e sensibilizar para a necessidade de prevenir, reutilizar, reciclar e valorizar, quando a produção de resíduos não possa ser evitada, criando oportunidades na área do tratamento e recolha e potenciando a inovação.
A atual situação pandémica veio trazer um novo olhar do litoral em relação ao interior, sobretudo no estilo de vida, no contacto com a natureza, etc. Este reconhecimento nas virtudes do interior será apenas passageiro ou poderá criar, ou consolidar, oportunidades no desenvolvimento destas regiões?
Pelo isolamento que impôs, a crise pandémica incentivou a procura de alternativas e o interior foi a escolha de muitos portugueses, o que se fez notar no turismo, mas também no setor imobiliário. A tal necessidade de romper com uma falsa conceção de interioridade, de que falei, parece ter encontrado espaço para se concretizar e, nesta medida, é uma oportunidade que estas regiões terão de agarrar com veemência, apostando na comunicação para fidelizar a procura. Quando falamos nas «virtudes do interior», falamos de características de facto atrativas, falamos de autenticidade, de natureza, de História e de estórias, de tradições, de virtudes que poderão, sim, criar e consolidar oportunidades no desenvolvimento destas regiões.
 
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