“O meu sonho de criança era criar coisas, o que desde sempre associei à Engenharia”

Aquiles Barros é o engenheiro Químico por trás da marca Castelbel, a empresa líder de sabonetes em Portugal. Conheça a história e o perfil do nosso convidado das Grandes Entrevistas de Engenharia.
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Se por acaso não soubéssemos a morada da loja da Castelbel, na Baixa do Porto, ela própria ter-nos-ia ido buscar com o inebriante perfume que magnetiza quase até à Rua de Ferreira Borges. “Este cheiro é maravilhoso…” – observei. Aquiles Barros responde com um sorriso de quem já ouviu esta frase vezes infinitas.  “Sim, acho que sim. Mas como estamos cá todos os dias já não notamos.” Mas nota-se, posso assegurar, e quase não nos conseguimos abstrair dele durante todo o tempo. Não fosse a comunhão perfeita de cores, formas, design e aromas, pensaríamos: mas onde está a Engenharia? Está por todo o lado, e mais ainda porque a liderar a Castelbel está um engenheiro Químico, que trocou uma carreira académica de 40 anos, pela empresa de sabonetes que criou como hobby, em 1999. “O meu sonho de criança (e de adulto) era criar coisas, o que desde sempre associei à Engenharia.”, confidencia-nos. Hoje Aquiles Barros é um dos sócios e um dos executivos da maior empresa nacional do setor, produz mais de 6 milhões de sabonetes por ano, tem mais de 200 trabalhadores e um volume de exportações de 80%. Bem-vindos à Castelbel.

Não é coincidência o facto de ter criado uma empresa de sabonetes. Há um histórico na sua vida ligada à Ach Brito. Tudo começou aí? Fale-nos um pouco desse tempo.
Quando eu nasci, em 1950, o meu pai era o advogado da Ach. Brito e tinha-se tornado muito amigo do dono, o Sr. Aquiles de Brito. O resultado foi ele ter sido o meu padrinho e é por isso que me chamo Aquiles. E desde miúdo que todos me diziam que eu iria ser o futuro engenheiro da empresa, o que acabei por interiorizar, sem conseguir distinguir se a minha opção pela Engenharia Química tinha sido uma vocação ou me tinha sido inculcada. No entanto, quando terminei o curso, cujo estágio foi feito, naturalmente, na Ach. Brito, o meu padrinho já estava com alguma idade e mostrou-se avesso a algumas inovações que eu queria introduzir, o que me levou a aceitar o convite para lecionar na Faculdade de Ciências e a dedicar-me exclusivamente ao ensino e à investigação.

Em que sentido esse início moldou a sua vida profissional?
Apesar de ter sido professor durante 40 anos, o meu sonho de criança (e de adulto) era criar coisas, o que desde sempre associei à Engenharia, embora compreenda que outros possam associar a outras áreas, pelo que sempre senti que me faltava alguma coisa em termos de realização pessoal. Aliás, sempre fui muito ativo, ao ponto de, aos 19 anos, ter sido o principal impulsionador da criação do Castelo da Maia Ginásio Clube, uma agremiação que se veio a transformar num dos baluartes do voleibol nacional; sou o sócio nº 1 e o atual Presidente da Assembleia Geral.

Ser Engenheiro Químico numa empresa que cria aromas, parece fazer sentido, mas na verdade a maior parte da sua carreira foi feita no ensino e depois é que se dá esta reviravolta na sua vida profissional…
A minha situação de engenheiro Químico “praticante” surgiu um pouco por acaso. De facto, em 1991, quase 20 anos após a minha licenciatura, recebi um telefonema, absolutamente inesperado, do Sr. Delfim de Brito, filho do meu padrinho e que o tinha substituído na liderança da Ach. Brito. Dadas as dificuldades da empresa no momento, ele tinha pedido uma auditoria à fábrica, que concluiu que o encerramento seria a melhor solução a tomar. O Sr. Delfim queria saber o que eu pensava sobre o assunto e pediu-me para o visitar, o que fiz com todo o gosto. A minha colaboração manteve-se até 1999, altura em que decidi abandonar por me ter incompatibilizado com um administrador que, entretanto, tinha sido contratado. Destaco o acontecimento mais relevante neste meu período de permanência, que foi a criação da linha Claus na sua versão moderna. Esta linha foi desenvolvida por mim e por Jon Bresler, um americano que visitou a Ach. Brito em 1992, com o objetivo de criar uma linha de inspiração Art Deco.

E dessa ligação com Jon Bresler nasce a Castelbel?
Sim, no dia seguinte ao da minha saída o Jon Bresleer telefonou-me a desafiar-me para criar uma empresa em que ele seria sócio e cliente exclusivo. Destaco aqui o nome do meu amigo de infância Jerónimo Campos, que foi o financiador da Castelbel, completando o triunvirato que a fundou: o contrato entre os 3 sócios, realizado nas instalações do meu amigo, foi celebrado com um aperto de mão. E surgiu logo um primeiro diferendo, uma vez que o Jon queria que a empresa se chamasse Eurosoap, nome que nós abominávamos. Ao fim de alguma discussão, a escolha acabou por ser fácil e feliz: acérrimos defensores da terra onde vivíamos, ocorreu-nos conjugar o nome da vila do Castêlo da Maia com as iniciais de beleza.

A sua formação académica foi importante para o crescimento da Castelbel?
É evidente que sim; mas também foi importante o facto de já ter 50 anos quando a empresa nasceu, com uma experiência de vida que teve uma grande influência na forma mais ponderada com que encarava os problemas que iam surgindo, e não foram poucos. Ao criar a empresa, com apenas 6 trabalhadores, nunca me passou pela cabeça que, em menos de 20 anos, nos viríamos a transformar na maior empresa nacional do setor, com uma produção anual de mais de 6 milhões de sabonetes, quase 200 trabalhadores e um volume de exportações de 80%.

A Castelbel abriu uma nova loja e um museu na baixa do Porto. Como tem sido ter uma loja de sabonetes em pleno boom turístico no Porto.
Não lhe chamaria propriamente um museu, uma vez que a Castelbel só agora está a atingir os 18 anos de idade. É a loja com que sonhávamos há algum tempo, num local emblemático do Porto (Palácio das Artes, muito perto do Palácio da Bolsa), e com a qual pretendemos mostrar ao público em geral a realidade em que se transformou uma empresa que nasceu por acaso, com meia dúzia de trabalhadores. No piso de entrada estão expostos, para venda, os mais de 500 produtos que constituem atualmente o portefólio das nossas duas marcas Castelbel e Portus Cale, que também são comercializadas em mais de 50 outros países. No 1º piso, para além de ser possível observar uma exposição de alguns dos muitos modelos de sabonetes produzidos até hoje, sobressai um setor de personalização, com uma impressora 3D adaptada à gravação de palavras ou frases diretamente nos sabonetes.

Algum Engenheiro que esteja a ler esta entrevista e que queira trabalhar na sua empresa, quais os skills que acha fundamentais terem?
Curiosamente, as aptidões que considero mais importantes neste momento não têm propriamente a ver com nenhuma área específica. Quando entrevistamos um candidato prestamos uma atenção especial ao domínio da língua inglesa, aos conhecimentos informáticos e à capacidade de relacionamento. Associados às valências acabadas de referir, uma licenciatura ou um mestrado em Engenharia serão, certamente, uma mais-valia.

A nova geração de engenheiros não tem medo de arriscar. São empreendedores, são audazes. O que recomendaria àqueles que pensam montar uma empresa?
Talvez não seja a pessoa mais habilitada para responder a esta pergunta, porque me tornei empresário muito tarde, e por mero acaso. De qualquer forma, considero que a afirmação de que “a nova geração de engenheiros não tem medo de arriscar” é absolutamente falsa, tratando-se de uma mera invenção da classe política; é mais um exemplo da célebre frase “uma mentira repetida muitas vezes torna-se uma verdade”, na linha de um conhecido remédio milagroso que torna os nossos ossos indestrutíveis. Fala-se muito em empreendedorismo, mas a maior parte dos empreendedores que tenho conhecido são pessoas que tiveram um acesso privilegiado ao crédito, ou herdaram empresas familiares. Por isso, o meu conselho é que sejam prudentes e não avancem se não tiverem os financiamentos adequados.

Qual é segredo para ser um bom engenheiro? Há segredo?
Penso que não há segredo, quer para engenheiros, quer para outros profissionais. O sucesso resulta da conjugação de vários fatores, alguns inatos, como a inteligência e a pro-atividade, outros que podem ser adquiridos, como o conhecimento e a disciplina, e um último, muito importante, que é completamente aleatório: a sorte.

Qual acha ser ou qual deveria ser o papel da Ordem do Engenheiros na vida profissional dos Engenheiros?
Eu nunca fiz grande uso da Ordem dos Engenheiros, apesar de ser sócio há 45 anos. Não é fácil para uma Ordem que abarca tantos ramos da Engenharia conseguir arranjar temas comuns a uma classe profissional que talvez seja a que acaba por vir a exercer funções no maior número de atividades diferentes. Uma das grandes mais-valias dos engenheiros é, sem dúvida, a versatilidade; mas à custa de uma perda de pontos de interesse comuns. Talvez seja por isso que a Ordem dos Engenheiros já não tem uma presença tão grande nos media como tinha noutros tempos, que foi perdendo para outras associações profissionais, que considero menos relevantes. Mudar esta situação poderia ser uma forma de valorizar a nossa classe profissional.

Nomeie um engenheiro do Norte que esteja a desenvolver um trabalho que aprecia, dentro ou fora de Portugal.
O nome que me vem imediatamente à cabeça é o do Eng.º Álvaro Portela, um engenheiro Mecânico da FEUP que foi Presidente da SONAE SIERRA durante o boom de crescimento dos supermercados Continente; e aqui está mais um exemplo da versatilidade dos engenheiros. Fomos colegas durante alguns anos como jogadores de voleibol do CDUP (Clube Desportivo Universitário do Porto) e, curiosamente, o Eng.º Álvaro Portela está de certo modo ligado à existência da Castelbel; de facto, no ano de 2003, numa altura em que a empresa estava em risco de fechar, por ter perdido o único cliente que tinha até então, foi ele que me sugeriu que contactasse a Zara Home; um contacto que foi bem-sucedido e muito contribuiu para que tivéssemos conseguido ultrapassar essa fase crítica.

Há engenharia em tudo o que há? Explique. 
Isto é uma espécie de verdade de La Palisse. De facto, a palavra Engenharia deriva da palavra engenho, que o Dicionário da Porto Editora define como “capacidade de criar e inventar”. Daí que o termo comece a ser utilizado por outras áreas, que nada têm a ver com a Engenharia: quem é que ainda não ouviu falar em “Engenharia Financeira”, algo que eu nem sei muito bem o que é?!

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