Grandes Entrevistas de Engenharia com… Flávio Cruz

“Amo o que faço e trabalhar numa gigante tecnológica, como a Google, e viver na região de Silicon Valley, é um sonho tornado realidade.” Flávio Cruz, engenheiro de software da Google,  mais concretamente do YouTube, partilha connosco o caminho que o levou até à gigante tecnológica. Numa entrevista em que nada fica por responder, conheça as vantagens que a Google oferece aos seus funcionários, qual a sua filosofia e o que procura. Conheça os desafios diários de Flávio, a sua visão sobre a Engenharia e sobre os engenheiros portugueses.

É um caminho longo até chegar à Google? Como se fez o seu percurso profissional?
O meu percurso profissional entrelaçou-se com o meu percurso académico. Depois de ter completado o Mestrado Integrado em Engenharia Informática e Computação na FEUP, ingressei, no MAPi (Programa Doutoral em Informática das Universidades do Minho, Aveiro e Porto), que é uma aposta das três Universidades no sentido de criarem no Norte do país uma oferta de formação de 3º ciclo na área de Informática com um cariz internacional. No meu caso, frequentei a Faculdade de Ciências do Porto em parceria com a Carnegie Mellon University, no âmbito do programa CMU-Portugal. Ao longo da minha formação tive a oportunidade de abraçar uma série de projetos que se revelaram ser as sementes do meu desenvolvimento profissional e pessoal, nomeadamente, o papel de assistente (FEUP/FCUP/CMU) e investigador (CRACS/INESC-TEC) o que me permitiram melhorar não só as minhas competências técnicas, mas também as interpessoais.
E nessa sequência surge a Google?
A primeira abordagem de recrutamento da Google aconteceu em 2013, mas como estava focado em terminar o doutoramento tive de recusar. Passado um ano, consegui conciliar e, durante três meses, trabalhei como estagiário na Google Zurique. Aí, foi-me oferecido uma proposta para ficar a tempo inteiro depois de terminar o doutoramento. Após um ano, ingressei nos quadros em Zurique e mais tarde decidi mudar-me para a sede em Mountain View, na Califórnia.
O Flávio trabalha atualmente numa das plataformas da Google que mais usamos: o YouTube?
Atualmente sou Staff Software Engineer na infraestrutura dos anúncios publicitários do Youtube. Por outras palavras, eu contribuo diretamente através da programação para o bom funcionamento e melhoria de todo o sistema que faz a publicidade funcionar. Esta posição requer uma forte componente de liderança técnica pois é necessário planear os projetos que afetam não só a minha equipa, mas também outras equipas que trabalham em diferentes aspetos do YouTube.
Para a maioria das pessoas trabalhar na Google é um sonho. É mesmo um sonho ou não é bem assim?
Amo o que faço e para mim trabalhar numa gigante tecnológica, como a Google, e viver na região de Silicon Valley é um sonho tornado realidade. É um trabalho exigente, desafiante, intenso, mas extremamente recompensador dado que temos impacto no modo como milhões de pessoas usam a Internet diariamente. Para além disto, é um privilégio trabalhar com pessoas inteligentes diariamente. Como Engenheiro Informático, a cultura da Google é bastante focada em fazer as coisas da forma mais correta sem atalhos, o que ajuda a criar um ambiente onde estamos sempre à procura da melhor maneira de melhorar o negócio da empresa.
Tudo o que dizem da Google é verdade? Como funciona, como são motivados, que tipo de formações e acompanhamento profissional têm os engenheiros?
O que dizem da Google? Se se refere aos benefícios, sim é verdade. Comida grátis, transporte, ginásio, bom seguro de saúde, zonas de lazer no campus, entre outras tantas coisas. Existem outros incentivos que ajudam a manter as pessoas motivadas e que promovem uma cultura de feedback contínuo, tal como os off sites em que cada equipa vai para um sítio fora da empresa e há atividades de lazer que ajudam a fortalecer as relações interpessoais. Pessoalmente, penso que a maior motivação de trabalhar na Google são as pessoas, o modelo de negócio, a tecnologia com que trabalhamos e o impacto que o nosso trabalho possui. Tudo isto faz com que valha a pena estar aqui.
 
Com todas as mudanças nos Estados Unidos, como vive um português aí?
Silicon Valley é uma região bastante peculiar e com uma dinâmica muito própria que serve de modelo a outras hubs tecnológicas por o mundo fora. Aqui existem bastantes pessoas de diferentes origens e culturas que se reúnem em prol da tecnologia. Por isso, acho que ser português apenas contribui para enriquecer essa diversidade.
O trabalho de um português é valorizado e igualmente reconhecido?
Posso dizer que sempre me senti em igualdade de circunstâncias com os meus colegas, nomeadamente aqueles que se formaram em instituições de ensino com nomes mais sonantes, o que só confirma a qualidade de ensino das nossas universidades. Gostava de acrescentar que há uma característica bem lusitana que se revelou ser uma mais-valia para mim: a versatilidade, mais propriamente o ‘desenrascanço’. Esta capacidade de solucionar problemas ou resolver dificuldades, sem os meios adequados que frequentemente acontece em Portugal, em determinadas situações, ajudou-me a pensar fora da caixa e fui valorizado e reconhecido por isso.
Quais os skills que um engenheiro deve ter para trabalhar numa empresa como a Google.
Os engenheiros de software da Google desenvolvem as tecnologias da próxima geração que alteram o modo como as pessoas se conectam, exploram e interagem com a informação. Para isso, a empresa procura pessoas com fortes habilidades técnicas. Para além disso, é imprescindível ter uma boa atitude, determinação, confiança, curiosidade, pensamento crítico e por fim, mas não menos importante, ser um bom comunicador porque o nosso trabalho é alicerçado na cooperação e trabalho de equipa.
Que conselhos daria aos engenheiros que têm como objetivo trabalhar na Google?
Em jeito de conselho posso referir que a principal motivação deve ser a paixão por aquilo que se faz. É bom usar e abusar de plataformas que ajudem a ter visibilidade no meio e promovem o networking, como LinkedIn ou GitHub. Contribuir para projetos de open source, participar em concursos de programação ou hackathons são as formas mais simples de ficar na mira das grandes empresas tecnológicas.
Compensa estar longe da família e do país?
Num mercado de trabalho supercompetitivo e com um custo de vida muito elevado, como é Silicon Valley, é imperativo que a Google ofereça um pacote salarial acima da média para conseguir reter o melhor talento disponível. Estar longe da família e do país, acho que é o lado menos positivo de estar aqui, principalmente, devido à diferença horária porque a tecnologia pode encurtar a distância, mas não modifica os fusos horários.
A Engenharia está cada vez mais cosmopolita e cada vez mais atrativa para novas gerações, como comenta?
Há cada vez mais jovens que querem ingressar em Engenharia e isso reflete-se no aumento considerável das médias de acesso ao ensino superior. Existem várias áreas como materiais, aeronáutica, automação, nanotecnologia, biologia molecular, biomédica, e mesmo, informática que com o avanço do conhecimento científico e investigação têm cada vez mais relevo na nossa sociedade e necessitam da Engenharia para a sua aplicação prática. E noto que os jovens portugueses têm isso em mente e escolhem prosseguir por engenharias de ramos relacionados com essas áreas. Por isso, cada vez mais a Engenharia em Portugal é diversificada.
Sabemos que a realidade ultrapassa muito a ficção, mas já teve alguma situação no exercício da sua profissão em que achasse: “isto parece de um filme”?
Quando existe algum problema grave com o sistema de publicidade. Nestas situações, é preciso ser rápido a agir, dado que as perdas monetárias podem acumular rapidamente. Felizmente, a cultura da Google não é de culpar ninguém em particular, mas sim, identificar aquilo que se pode fazer melhor para tentar evitar a mesma situação no futuro.
 
Como é um dia normal de trabalho?
Na Google, o horário é bastante flexível, cada um faz o seu. Pessoalmente, eu prefiro começar mais tarde para evitar o trânsito. Durante o meu dia revejo as alterações do código que os meus colegas me enviaram e leio propostas para novos projetos ou alterações significativas ao sistema de publicidade que está por trás do YouTube. Tenho também reuniões onde se discute o progresso de vários projetos ou encontro-me com colegas mais juniores para os guiar nos projetos que andam a fazer. Sou responsável por rever e aprovar novas funcionalidades que vão ser lançadas para todos os utilizadores para que haja um maior controlo de qualidade. Também costumo estar em prevenção, ou seja, durante alguns dias sou o engenheiro na primeira linha de resposta a qualquer problema grave na publicidade do YouTube. Isto significa que podemos ter que resolver problemas que aconteçam a meio da noite (felizmente é raro).
Há mais portugueses a trabalhar consigo?
Há vários portugueses a trabalhar não só na Google como também noutras empresas do Valley. Os imigrantes mais recentes estão bem representados na área tecnológica com engenheiros e product managers portugueses. Há também uma comunidade com várias gerações que ainda tenta manter a cultura de Portugal. Ainda hoje é possível visitar o Little Portugal em San Jose, onde se encontram algumas lojas portuguesas como também um restaurante português com uma estrela Michelin.
É preciso fazer sacrifícios para se fazer carreira na Google?
Se quisermos subir rapidamente na carreira, são precisos alguns sacrifícios. Quando é esse o caso, o esforço é premiado com mais responsabilidades que nos fazem crescer como engenheiros muito rapidamente. Contudo, a Google tem uma cultura de trabalho muito própria que nos faz sentir em casa, confortáveis o que contribui em grande medida para que encare o trabalho como algo divertido.
Quais os seus projetos de futuro?
A longo prazo pretendo regressar a Portugal. Está a ser um privilégio viver aqui e trabalhar para uma gigante tecnológica. Porém, há a dimensão pessoal e familiar que cada vez ganha mais relevo: tenho uma filha e fui pai pela segunda vez muito recentemente. Sou uma pessoa que dá muita importância e valor às origens e gostaria que os meus filhos vivessem em Portugal pelo menos uma parte da vida deles.
Algum Engenheiro Informático que esteja a ler esta entrevista e que pense em trabalhar na sua área, quais os skills que acha fundamentais terem?
Por um lado, é necessário um componente técnico consolidado que contribui para a transformação de problemas em soluções (de forma rápida e eficaz) e também, para a criação de sistemas que consigam lidar com requisitos em rápida evolução. Por outro lado, a dimensão humana, onde se enquadram as soft skills que são primordiais para um bom ambiente de trabalho e que são universais em qualquer área. É crucial ter uma boa atitude, trabalhar bem em equipa, tomar iniciativa, ser proativo e ser responsável pelo trabalho que se desenvolve quer em caso de sucesso ou fracasso. Por fim, ser humilde e ter a capacidade de ser ‘esponja’ e (re)aprender constantemente.
Qual é segredo para ser um bom engenheiro? Há segredo?
Penso que não há nenhum segredo em particular. A capacidade de encontrar soluções para os desafios e problemas que surgem ao longo do nosso dia-a-dia é universal e inata. Contudo, nos engenheiros essa capacidade é mais aguçada e ao longo da nossa formação e exercício da nossa profissão é aperfeiçoada. Essa aptidão aliada à paixão por aquilo que se faz, a uma boa capacidade de planeamento e organização e com uma iniciativa empreendedora, na minha opinião, são os ingredientes essenciais para se executar um bom trabalho.
Estando fora, como vê o desenvolvimento da Engenharia em Portugal?
Pelo aquilo que tenho conhecimento e pela troca de impressões com colegas que estão em Portugal vejo com bons olhos e estou otimista em relação ao futuro da Engenharia portuguesa. Cada vez mais o nosso país tem conquistado um lugar no mapa internacional da Engenharia, com várias empresas estrangeiras a recrutar talento, instalar-se ou expandir-se em Portugal.
A Engenharia está na moda? Porquê?
Definitivamente está e penso que não será passageira. Cada vez mais a tecnologia assume um papel preponderante nas nossas vidas e são necessários engenheiros como propulsores da inovação e do desenvolvimento. As gerações mais novas estão conscientes disso, e daí o interesse crescente pelos diferentes ramos da Engenharia. Além disso, é com bastante agrado que constato que os alunos das melhores universidades não sabem o que é falta de emprego. Em relação a Engenharia Informática, faço minhas as palavras do nosso bastonário, Engenheiro Carlos Mineiro Aires, «As áreas de tecnologias de informação, estão claramente na moda, os engenheiros não chegam para as encomendas».
Qual acha ser ou qual deveria ser o papel da Ordem do Engenheiros na vida profissional Engenheiros?
A Ordem dos Engenheiros deve ter uma intervenção de dimensão política e institucional que permita credibilizar e regulamentar o exercício da profissão de engenheiro. Promover o acesso ao conhecimento por meio de formação contínua através de cursos, conferências e eventos. E dar continuidade ao cumprimento da sua missão que é ‘contribuir para o progresso da Engenharia, estimulando os esforços dos seus associados nos domínios científico, profissional e social, bem como o cumprimento das regras de ética profissional’.
Nomeie um engenheiro do Norte que esteja a desenvolver um trabalho que aprecia, dentro ou fora de Portugal.
Nomeio os meus colegas da FEUP e FCUP que hoje dão cartas um pouco por todo mundo.
Há Engenharia em tudo o que há?
Sim, sem sombra de dúvida que existe Engenharia em tudo. Basta um olhar mais atento no nosso quotidiano e naquilo que utilizamos, por exemplo: meios de transporte, habitação, comunicação… E facilmente se percebe que a sua existência só foi/é possível porque um engenheiro executou. A Engenharia transforma ideias em algo possível de existir. A Engenharia tem um papel de relevo na modernização da sociedade e no aumento do nível de vida, não só pelas realizações materiais, mas por ajudar a moldar uma mentalidade baseada na ciência, tecnologia e progresso. Desta feita, os desenvolvimentos económicos e sociais estão profundamente relacionados com a intervenção dos engenheiros.

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