Grandes Entrevistas de Engenharia com… Sandra Costa

“Engenheiras em área tecnológicas são pouco frequentes, e as que chegam a cargos de liderança, são ainda menos”.  Sandra Costa é uma das que chegou ao topo e partilha connosco a sua visão da liderança no feminino, da Engenharia que “muda o Mundo” e de como se constrói uma carreira. Licenciada em Engenharia Electrónica Industrial e Computadores, Sandra Costa é senior manager na Bosch Car Multimedia, e tem em mãos o desenvolvimento de Software para a Condução Autónoma do futuro. Para além disso está na origem da Women in Engineering (WiE) que potencia uma maior diversidade de género na Engenharia.
Perfil Sandra Costa
Para quem não a conhece, fale-nos um pouco do seu percurso profissional até chegar à Bosch, empresa onde está atualmente.
Assim que terminei o meu mestrado em Engenharia Eletrónica Industrial e Computadores, na Universidade do Minho, comecei a trabalhar numa bolsa científica. Surgiu depois a proposta de realização de um doutoramento pela minha orientadora Filomena Soares, continuando o trabalho do mestrado. Agarrei esta oportunidade pelos quatro anos seguintes, aproveitando também para fazer alguns estágios internacionais com os profissionais topo da área escolhida. Ao terminar o doutoramento, e na reflexão sobre o meu futuro entre investigação e investida pela indústria decidi que teria chegado o momento de conhecer outras realidades, alargar o meu conhecimento e assim assim aceitei a proposta da Bosch Car Multimedia, em Braga.
E essa proposta levou a gerir uma equipa para o desenvolvimento de software para a condução autónoma. Do que falamos quando falamos disto?
Neste momento, sou “Senior Manager” de um grupo de desenvolvimento de Software que tem a responsabilidade de providenciar funcionalidades para sensores que serão utilizados futuramente em Sistemas de Condução Autónoma. O sensor que neste momento estou mais envolvida chama-se VMPS (Vehicle Motion Position Sensor) e disponibiliza a posição absoluta do carro no mundo, com uma elevada precisão, garantido que o carro conseguirá, aliado a outros sensores existentes, mesmo em algumas situações críticas, por exemplo dentro de túneis, manter a condução autónoma.

Engenheiras a liderar projectos de grandes empresas, é ainda muito pouco frequente. Como comenta? Quais as vantagens e desvantagens?
Engenheiras em área tecnológicas como a eletrónica ou a informática são pouco frequentes, e daí, as que chegam a cargos de liderança ainda menos. Podemos então nos perguntar porque temos em algumas engenharias pouca representatividade feminina? Felizmente já mudaram algumas mentalidades, mas durante muito tempo, continuamos a definir um guarda-roupa de uma menina num 99% cor de rosa que sonha só ser a princesa salva por um príncipe. Durante o seu crescimento a variedade de brinquedos vai da Boneca A à Boneca B, sem a oportunidade de explorar jogos e brincadeiras que desenvolvam competências como força muscular, controlo corporal, equilíbrio, noção de espaço, coordenação, entre outros. O foco foi sendo as cozinhas de brincar, fingir ser professora ou enfermeira, tomar conta de crianças. Este tipo de estímulos leva a que estas meninas sejam condicionadas nesta direção, tomando estas opções na altura de decidir que carreira querem seguir, possivelmente ignorando algum talento natural que entretanto não foi estimulado. No geral, vejo a desvantagem de termos em algumas equipas responsáveis pela criação de conceitos ou produtos que deverão ser utilizados por toda a população, uma visão só da perspectiva masculina, caso a equipa seja exclusivamente masculina, levando a que algumas soluções sejam limitadas.
Há uma ideia generalizada de que Engenharia em Portugal é sobretudo civil, feita por homens e com idade mais avançada. Como se contraria estes estereótipos?
A Engenharia Civil passou infelizmente por uma fase muito má em Portugal, o que fez despoletar a atenção em outras engenharias. Devido também à procura no mercado europeu, os engenheiros portugueses foram facilmente identificados como profissionais com qualidade. Penso que o estereótipo já está a ser contrariado e a prova disso é a quantidade de empresas multinacionais que está neste momento a apostar em Portugal para abrir e expandir os seus pólos de desenvolvimento.
Com 3 engenheiras criou o Women in Engineering do IEEE. O que fazem exactamente e de que forma as engenheiras podem fazer parte?
Women in Engineering (WiE) é um grupo afiliado do IEEE que tem como principal missão potenciar uma maior diversidade de género na Engenharia. Como os nossos valores estavam alinhados decidimos que era hora também em Portugal de termos um grupo deste género. Os primeiros dois anos deste grupo consistir na criação de grupos estudantis nas universidades portuguesas, dando também oportunidades a futuras engenheiras de assumirem papéis de liderança. Os anos seguintes assumiram particular importância na realização de atividades e eventos na comunidade académica, mas também industrial. Foram ainda realizadas diversas atividades pelos grupos estudantis no ensino secundário consciencializando os alunos e alunas para as diferentes engenharias.

Como é um dia normal de trabalho?
Por norma levanto-me todos os dias às 6h30, porque apesar de morar a 15 minutos gosto de chegar cedo e começar o dia calmamente ainda antes das 8h. Às 8h40, como estamos neste momento a utilizar a metodologia de trabalho ágil chamada SCRUM, via skype reúno com a equipa que contém tanto engenheiros de Portugal, da Índia e da Alemanha. Esta reunião tem uma duração de 15 minutos e todos devem reportar o que fizeram no dia anterior, o que vão fazer nesse dia, se têm algum problema ou algo a destacar. Daí para a frente sabem através do SCRUM board as tarefas que a equipa se comprometeu para esse sprint (iteração de cerca de 2 semanas). Como senior manager, tenho também algumas responsabilidades extra para com o grupo de desenvolvimento, que são alinhados sempre que necessário com os restantes senior managers da nossa divisão e com o chefe de departamento. Costumo sair do escritório por volta das 18h e vou regularmente ao ginásio, porque gosto de estar em forma. Deito-me cedo, porque é importante para mim dormir as horas necessárias para ter mais um dia produtivo no dia seguinte.
É preciso fazer sacrifícios para se fazer carreira como a sua?
É preciso fazer escolhas. Escolher ler livros, em vez de fazer maratonas de séries, escolher fazer desporto em vez de ficar a dormir, escolher fazer voluntariado em vez de estar no café. Estas foram as escolhas que me permitiram estar onde estou hoje.
Em que sentido o que faz impacta com a vida das pessoas, na profissão e fora dela?
Como líder de uma equipa, impacto diretamente a vida das pessoas que trabalham comigo. Sou responsável para que estas pessoas tenham tudo o que precisam para atingir o seu pleno potencial, assegurando, por exemplo, a sua formação contínua, a definição de objetivos individuais e orientação no seu percurso de carreira. Estes são pontos muito importantes para mim. Fora da minha profissão, tenho dois projetos nos quais me orgulho de estar envolvida e que sei que impacto a vida de outras pessoas. O primeiro é estar ligada à Associação Guias de Portugal, desde os 7 anos de idade e que me ajudou a adquirir continuamente uma série de competências que queremos normalmente ver refletidas nos nossos líderes: assertividade, confiança, aceitar desafios, tomar iniciativa, respeito pelo outro, responsabilidade, autonomia, entre outros. Ser Guia faz parte de mim e o que tento todas as semanas é passar essa mensagem às Guias mais novas, através de educação não formal, em comunhão com a natureza e focado no espírito de patrulha. O segundo projeto iniciei em fevereiro de 2011 para colmatar a falta de informação sobre futebol feminino em Portugal, desporto que pratiquei como federada desde os 13 até aos 29 anos. Neste momento, o Portal Futebol Feminino em Portugal é o website mais visitado em Portugal nesta temática. Aqui conta muito a visibilidade da às equipas e jogadoras que normalmente vêem a sua paixão rebaixada como “não é para meninas”. Ali está a prova que é para toda a gente.
Quais os seus projetos de futuro?
Os meus projetos de futuro passam por ganhar mais experiência na área de trabalho que estou envolvida, constituir uma família, e assim que surja a oportunidade vou ter uma experiência profissional mais longa num país estrangeiro.
Qual o sonho de carreira?
O meu sonho de carreira é estar envolvida no crescimento do centro de desenvolvimento em que estou inserida e continuar a trabalhar rodeada de profissionais motivados sempre a fazer o seu melhor em cada iteração e em projetos interessantes que tenham um impacto direto na melhoria da vida humana. O meu sonho realiza-se todos os dias.

Algum/a engenheiro/a eletrotécnico esteja a ler esta entrevista e que pense em trabalhar na sua área, quais os skills que acha fundamentais terem?
Vontade contínua de aprender, humildade, resiliência, paixão pela Engenharia e ser honesta.
Qual é segredo para ser um bom engenheiro? Há segredo?
Não sei se é segredo ou não, mas para mim, um(a) bom/boa engenheiro além de ter que ter boas bases técnicas, tem também de ter a capacidade de comunicar quer para explicar uma solução, quer para passar conhecimento dentro da sua equipa. Tem também de se saber liderar a si próprio: saber quando parar e pedir ajuda, ter um bom balanço da vida pessoal com a vida profissional e saber quando calar e ouvir um colega.
A Engenharia está na moda? Porquê?
A Engenharia é a capacidade de resolvermos problemas pelas nossas próprias mãos. Queres mudar o Mundo? Torna-te engenheiro.
Qual acha ser ou qual deveria ser o papel da Ordem do Engenheiros na vida profissional Engenheiros?
Na minha opinião, o papel da Ordem dos Engenheiros deve passar pela continuação da valorização da profissão em Portugal, suportando os associados nos seus domínios e potenciando a contribuição destes num panorama global.
Nomeie um engenheiro do Norte que esteja a desenvolver um trabalho que aprecia, dentro ou fora de Portugal.
Gostaria de nomear o Professor Renato Morgado. Apesar de já não estar no ativo, tive o prazer de ter sido sua aluna na Universidade do Minho, e foi sempre uma inspiração. Com certeza, é uma parte importante no percurso académico de um engenheiro ter docentes com experiência em contexto industrial.
Há Engenharia em tudo o que há? Explica.
A Engenharia está à nossa volta em todo o lado. Desde o momento em que o nosso alarme toca, pelo banho quente que tomamos, no nosso percurso até ao trabalho, naquilo que comemos, nos produtos de higiene que utilizamos, no que vestimos, e até no que respiramos.

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