A Engenharia no mergulho ou o mergulho na Engenharia?

Por Joaquim Góis, coordenador do Colégio de Engenharia Geológica e de Minas da OERN

Se Engenharia é também “Engenho” (arte para idealizar e depois construir) então, desde as primeiras referências históricas ao mergulho autónomo, poderemos encontrar um exemplo perfeito de duas realidades – a engenharia e o mergulho – que evoluíram e se fizeram acompanhar ao longo da história da humanidade.
É comumente aceite que os primórdios do mergulho autónomo (o que poderíamos identificar como as primeiras tentativas de uma submersão prolongada com recursos a equipamentos auxiliares de respiração) remontam ao primeiro milénio a.C., algures numa civilização do médio Oriente. Aos povos da mesopotâmia (assírios) são atribuídos os primeiros artefactos, simples sacos em couro que, constituindo pequenas reservas de ar, permitiriam aumentar o tempo de submersão dos mergulhadores nas suas atividades comerciais ou mesmo com fins militares.
Relatos de Heródoto (485 – 420 a.C.), assinalam “ … agora os persas tinham com eles um homem chamado Scyllias, um nativo de Scione, que  era o mergulhador mais experiente de sua época… ”, quando, a propósito dos seus navios naufragados, o rei Xerxes obriga Scyllias e a sua filha Cyana aos trabalhos de recuperação dos tesouros submersos. Aristóteles, em ” problemata “, refere que Alexandre, o Grande, no cerco de Tiro (332 a.C.), enviou mergulhadores para destruir as defesas submarinas da cidade. Embora não haja referências a qualquer veículo submersível, reza a lenda que foi construído um dispositivo que manteve os seus ocupantes a seco e com luz. O próprio Alexandre, fascinado com o mundo subaquático, terá experimentado o que poderíamos considerar o primeiro submersível da história da humanidade.
Os registos seguintes, no decurso de quase 1000 anos, são espúrios e resumem-se a episódios pontuais, dos quais nos permitimos salientar, os relativos aos mergulhos dos gregos no porto de Siracusa (no ataque a navios inimigos para a conquista da cidade), os que assinalam o desenho de um fato de mergulho no manual militar de flavius vegetius (de Remilitarilibri Quator), os relatos de Marco Polo nas suas viagens pelas terras do imperador Kublai Khan e como este oferendava os seus amigos com pérolas colectadas por mergulhadores, ou mesmo as primeiras referências (séc. I a.C.) às “Ama-San”, famosas mergulhadoras japonesas, que ainda hoje mantêm a sua atividade em algumas vilas piscatórias da península de Shima.
Será já no debaldar do séc. XV e princípios do séc. XVI que nomes como Leornado da Vinci, Guglielmo de Lorena, Diego Ufano (engenheiro militar espanhol) ou Niccolo Tartaglia (engenheiro e matemático italiano), aparecem associados ao desenho, construção e experimentação dos primeiros equipamentos práticos de mergulho (sinos de mergulhador).
Os séculos subsequentes assistirão à verdadeira fase de pré industrialização do mergulho subaquático, na qual a Engenharia desempenhará um papel decisivo na invenção, criação e construção de novos equipamentos. De dimensões cada vez mais reduzidas, estes novos artefatos tornam-se cada vez mais funcionais e em cada novo aperfeiçoamento, aumentam os tempos de imersão.
Cientistas e engenheiros tais como Cornelis Drebbel (1620), Giovanni Borelli (1680), Edmund Halley (1691), Pierre de Beauve (1715), Fréminet (1772), o clérigo francês Jean-Baptiste de la Chapelle que inventou um fato de mergulho a que chamou “scaphandre” das palavras gregas “skaphe” (barco) e “andros” (homem), Christian Siebe (1837), Rouquayrol e Denayrouse (1865) foram, entre muitos outros, alguns dos protagonistas no desenvolvimento tecnológico do mergulho subaquático.
Apesar dos notáveis desenvolvimentos tecnológicos entretanto verificados será, contudo, necessário esperar até 1943 para se assistir à verdadeira revolução no mergulho subaquático. Um capitão da marinha francesa, Jacques Cousteau e um engenheiro francês, Emile Gagman, desenvolvem um novo equipamento designado “aqualung”, o primeiro regulador de mergulho, patenteado sob a designação de CG-45. Este novo instrumento permitiria, pela primeira vez, ao próprio mergulhador regular o controlo do fluxo de ar à medida das suas necessidades e à pressão ambiente . Estava dado o derradeiro passo para a popularização do mergulho subaquático e abertas as portas ao maravilhoso “mundo silencioso” como assim o apelidou o comandante Cousteau. Nos últimos anos a prática do mergulho recreativo tem vindo, de forma quase exponencial, a cativar novos adeptos (a Organização mundial de Turismo estima, que só na Europa, existirão cerca de 3,5 milhões de praticantes) constituindo já uma importante área do setor do turismo.

Em paralelo todo um sector industrial a montante, implicando as mais diversas áreas da Engenharia (desde a engenharia de materiais, à engenharia têxtil, passando pelas engenharias geográficas, mecânica e electrotécnica), têm vindo a ganhar um crescente relevo económico. Baseado em princípios de funcionamento relativamente simples e perfeitamente acessíveis aos profissionais de engenharia aos equipamentos é agora, sobretudo, exigido adaptabilidade e maneabilidade, funcionalidade e conforto.

O fascínio que os mares sempre exerceram sobre o ser humano, aliado às novas oportunidades da economia azul e às enormes potencialidades que a exploração sustentada dos oceanos perspetiva, empurrar-nos-ão, fatalmente, para um retorno do homem ao seu local de origem. O homem que passará a ser cada vez menos um animal terrestre para passar a ser um animal da Terra. Alguns, tal como Jules Verne em 1870, já antecipam esse regresso e pensam mesmo que as novas tecnologias já estão aí.
Um jovem designer industrial sulcoreano, Jeabyun Yeon, apresentou recentemente um novo conceito que, mimetizando o processo de respiração dos peixes, procura, através de umas “guelras artificiais”, proporcionar uma respiração subaquática por maiores períodos de tempo. O triton é um equipamento portátil que tem como finalidade a extração do oxigénio diretamente a partir da água do mar, recorrendo a um sistema de nano-filtros (filtros em forma de minúsculos fios com orifícios de tamanho inferior ao das moléculas de água). Numa fase posterior o oxigénio, após ser comprimido em mini-reservatórios, será adicionado, com a ajuda de um microprocessador, ao ar respirável pelo mergulhador. um outro, igualmente futurista conceito de equipamento de mergulho – “Immersed Senses”, é-nos apresentado por um também jovem designer, Adam Wendel. O dispositivo consiste num capacete integral que disponibiliza, não só a mais variada informação sobre o mergulho, mas permite também o funcionamento de um sistema de purificação do ar.
Ecrãs OLED, permitirão o acesso a mapas subaquáticos (quantos de nós mergulhadores, quando emersos, já não desejámos, ardente, possuir um GPS que nos orientasse lá em baixo!), software que facilmente monitorizará os parâmetros do mergulho e identificará as mais variadas espécies de peixes. A adaptação do capacete ao corpo do mergulhador será assegurada por vedações em silicone, cuja flexibilidade possibilitará movimentos confortáveis ao utilizador. O sistema integrará um reator electrolítico que permitirá a extração do oxigénio da água do mar, o qual alimentará o circuito de ar respirável (a bateria e o hidrogénio armazenado podem manter um mergulhador submerso por até 8 horas).
Embora alguns dos novos conceitos careçam ainda de sustentabilidade técnico/científica, podemos, desde já, descortinar o limiar de uma verdadeira revolução “ hightech ” no mergulho autónomo. Os recentes desenvolvimentos tecnológicos ao nível dos materiais e equipamentos, apontam claramente para que, em definitivo, as engenharias possam mergulhar numa nova engenharia do mergulho.
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Referências Bibliográficas
Brylske, A., (2012). The Complete diver: The history, Science and practice of Scuba diving, 1st uS. Ed., A Guide to diving in the 21st Century, dive Training magazine. Cousteau JY and dumas f., (1953). The Silent World, New York, harper Brothers, 266 pp. u.S. Navy diving manual, (2008). diving principles and policies, vol. 1, published by direction of Commande, Naval Sea Systems Command, Revision 6, 992 pp. http://classicdivebooks.customer.netspace.net.au/oeclassics-history.html, site consultado em agosto de 2015. http://history.cmas.org/chronology-120217122507, site consultado em agosto de 2015. http://www.yankodesign.com/2010/05/20/sense-under-water/, site consultado em agosto de 2015.

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