Entrevista a João Rocha, presidente do Politécnico do Porto

Ciclo de entrevistas exclusivas da Plataforma de Notícias da OERN (HaEngenharia.pt) aos reitores das Universidades, presidentes dos Institutos Politécnicos e  diretores das instituições de ensino de Engenharia.

 
João Rocha,  presidente do Politécnico do Porto e engenheiro acredita que “de forma transversal” o emprego nas engenharias não será “particularmente afetado com a atual crise”, mas alerta que “a retoma da economia passará necessariamente pelo reforço do investimento” que irá naturalmente criar oportunidades sobretudo na “nas áreas mais tecnológicas, nas quais os engenheiros desempenham um papel relevante.” 
Numa entrevista onde nos fala do trabalho que as escolas do Politécnico têm desenvolvido para ajudar no combate à Covid-19, João Rocha traça ainda um diagnóstico sobre o futuro do ensino, assumindo que este sofrerá naturalmente uma mudança depois deste período. Na mesma ótica, o presidente do Politécnico do Porto deixa acredita que a Ordem dos Engenheiros tem também um papel importante no pós-Covid-19 devendo “reforçar as ações de formação para os membros, fundamentais na adaptação ao pós pandemia” em simultâneo “Deverá manter e reforçar as ações de promoção da Engenharia e dos engenheiros que já vem desenvolvendo”
 
 
Muitas vezes ouvimos dizer que os académicos não sabem fazer, apenas ensinam a fazer. Com esta pandemia temos assistido exatamente ao contrário: alunos, professores, investigadores estão ativamente a produzir viseiras, máscaras, ventiladores e muitos outros materiais que ajudam a salvar vidas. Como vê os projetos que 0 Politécnico do Porto está a desenvolver neste enquadramento?
Os projetos que o Politécnico do Porto está a desenvolver são a demonstração de que, para além de ensinar, os académicos também sabem fazer. Esse é, aliás, um aspeto importante do ensino que procuramos ministrar. Queremos que os nossos estudantes sejam capazes de se integrar com facilidade no mercado de trabalho, com a óbvia constatação de que a formação ao longo da vida, em áreas como a Engenharia, é cada vez mais importante. Os projetos que temos desenvolvido demonstram a preocupação de sermos úteis à sociedade em todos os momentos e de diversas formas, utilizando o conhecimento e recursos disponíveis.
 

 
A expressiva participação do Politécnico do Porto – através do ISEP, da ESE e ESTG, por exemplo – no desenvolvimento de materiais como as viseiras, prova que é possível haver pontos de ligação em diversas áreas. Estará aqui aberto o caminho para futuras parcerias entre Educação, Engenharia e Tecnologia, por exemplo?
A interdisciplinaridade tem-se revelado cada vez mais importante na evolução do conhecimento. Muitas inovações têm surgido na fronteira entre diferentes áreas de conhecimento. Temos procurado fomentar a fertilização cruzada do conhecimento, potenciando a colaboração entre escolas e entre grupos de investigação. Este é um exemplo, mas existem muitos outros, de que destacaria a colaboração entre a Engenharia e a saúde, de particular relevância no momento que atravessamos e que permite, por exemplo, avanços no desenvolvimento de dispositivos médicos que podem ajudar a salvar vidas. E como a Engenharia é omnipresente nas nossas vidas, é perfeitamente natural que se interligue com todas as outras áreas do conhecimento. Destacaria ainda o trabalho que a ESMAE, a escolas de artes do Politécnico do Porto tem feito durante esta crise com inúmeras sessões musicais destinadas a toda a população, naturalmente só possível pelas facilidades criadas pelos engenheiros.
 
Espera que os seus alunos e ex alunos possam fazer a diferença.
Esperamos que os nossos estudantes e diplomados possam sempre fazer a diferença nas suas áreas. Por isso procuramos associar a uma preparação técnica sólida, uma formação transversal que inclua noções de cidadania, de ética, de relacionamento social, de gosto por contribuir para a sociedade, de liderança e de comunicação para além da capacidade de inovar. É da combinação de todas estas características que esperamos que, trabalhando em conjunto com o resto da sociedade, possam continuar a surgir contribuições dos nossos estudantes e diplomados para ajudar a ultrapassar as dificuldades que vivemos. E essas contribuições podem surgir quer no âmbito da sua atividade profissional, quando é o caso, quer enquanto cidadãos disponíveis para promover e colaborar em iniciativas da sociedade civil.
 

Que medidas seriam importantes tomar para que os jovens engenheiros e recém-licenciados em geral possam ter oportunidades no mercado de trabalho no qual vai ser, naturalmente, mais difícil de entrar agora?
Não me parece claro que, de uma forma transversal, o emprego nas engenharias venha a ser particularmente afetado com a atual crise. Sendo certo que nem todas as áreas serão afetadas da mesma forma, algumas poderão ver reforçadas as necessidades de trabalhadores, nomeadamente as que estão associadas à indústria 4.0. Por outro lado, a retoma da economia passará necessariamente pelo reforço do investimento, o que permitirá criar oportunidades, com relevância nas áreas mais tecnológicas, nas quais os engenheiros desempenham um papel relevante. Todas as iniciativas que permitam o aumento da flexibilidade dos diplomados são de encorajar, possibilitando-lhes aumentar as oportunidades de acesso à profissão. Também são de encorajar atividades que permitam aproximar as empresas dos estudantes, nomeadamente através da realização de feiras de emprego ou similares.
 

 
Muitas startups começaram nos corredores do ISEP, do qual foi presidente. Como vê o futuro destas, algumas muito dependentes do turismo e das empresas tecnológicas que se implementaram no Norte do país?
As dificuldades do momento que atravessamos são circunstâncias, sendo expectável uma recuperação a prazo da situação económica. Quando acontecer o turismo irá, naturalmente, voltar a crescer, surgindo novas oportunidades para a criação de produtos inovadores. De igual forma, Portugal, fruto da qualidade do ensino superior e dos seus diplomados, continuará a atrair empresas tecnológicas e, dessa forma, a criar oportunidades para que as startups floresçam num ecossistema de inovação que tem vindo a ser construído. Dito isto, é natural que as startups que ainda se encontram numa fase embrionária ou que estão numa fase de captação de investimento para que possam fazer chegar os seus produtos ao mercado, enfrentem dificuldades. Mas estou certo de que aquelas que são de facto inovadoras terão capacidade para ultrapassar esta fase e aproveitar as oportunidades que, em breve, surgirão de novo.

As novas tecnologias e o ensino à distância provaram que há margem para outras formas de ensino que não o tradicional. Acredita que haverá uma mudança de paradigma na forma como o ensino é lecionado?
Seguramente que o ensino sofrerá uma mudança em resultado das alterações que foi necessário introduzir nesse período. Essas alterações resultarão, sobretudo, de dois fatores: por um lado, e por necessidade, foram definitivamente ultrapassadas as resistências que muitos docentes tinham na utilização das novas tecnologias no processo de ensino; por outro, os estudantes, percebendo os graus de liberdade que ganharam, não quererão voltar a paradigmas de ensino exclusivamente tradicionais. Não significa isto, de maneira nenhuma, que o ensino passará a ser exclusivamente a distância. O que este período também demonstrou foi a necessidade de ensino presencial, de importância significativa na Engenharia, nomeadamente no trabalho laboratorial, mas também pela interação entre os professores e os estudantes e entre os próprios estudantes, fundamentais para o desenvolvimento do espírito crítico, para a criação de hábitos de trabalho em grupo e para a consolidação das sinergias resultantes da presença em ambientes heterógenos. Creio que o resultado será o aproveitamento do que de melhor se pode tirar dos diferentes processos de ensino, com resultados mais consolidados e melhor rentabilização dos recursos disponíveis.
 

 
Como espera que seja o retorno à normalidade numa instituição com milhares de alunos de todo o mundo como o Politécnico?
Espero que seja longo e complexo. Desde logo porque não sabemos, ainda, quando será, de facto, possível o retorno à normalidade. Sem haver uma vacina ou a imunização da população, não poderemos falar da normalidade como estávamos habituados. Por isso, falaremos da normalidade possível, daquela que tem de conviver com a doença e com as restrições de convivência social que lhe estão associadas. Prevemos ir começando a repor, progressivamente os serviços presenciais, não deixando de cumprir todas as normas de saúde públicas, bem como as atividades de investigação e os trabalhos de laboratório. As atividades letivas presenciais, com restrições, começarão pelas componentes práticas das unidades curriculares para as quais se manifestem imprescindíveis. Seguir-se-ão as avaliações presenciais, sempre e só, quando não possam ser asseguradas a distância com o nível de confidencialidade e segurança que se entenda como adequado. Naturalmente que haverá restrições na ocupação dos espaços, mas procuraremos responder à natural desconfiança que a situação origina com medidas de segurança e higienização que garantam padrões de segurança dentro das recomendações da DGS. Mas também prevemos continuar muitas atividades à distância, sempre que essa for a forma mais eficaz de, simultaneamente, combinar eficácia com segurança, até que a normalidade esteja efetivamente reposta.
 
Como pode a Ordem dos Engenheiros ter uma papel mais ativo e determinante no pós pandemia e no apoio aos seus membros.
A Ordem dos Engenheiros poderá reforçar as ações de formação para os membros, fundamentais na adaptação ao pós pandemia. Deverá manter e reforçar as ações de promoção da Engenharia e dos engenheiros que já vem desenvolvendo, centrando-se na importância da Engenharia para a sociedade e na sensibilização para a relevância de todos os atos de engenharia serem assegurados por engenheiros. Para ajudar na integração no mercado de trabalho dos estudantes de Engenharia, a OE poderá ser mais ativa na ligação entre as instituições de ensino superior e o tecido empresarial, nomeadamente procurando ativamente oportunidades de estágio quer para os estudantes quer para os recém diplomados.

Pedia-lhe uma mensagem para todos os engenheiros e estudantes de engenharia que irão ler esta entrevista.
A história do último século demonstra a importância que a Engenharia sempre teve na resposta aos grandes desafios que a humanidade enfrentou. Para além desta pandemia, existem outros desafios para os quais a Engenharia pode contribuir de forma decisiva. Apenas a título de exemplo destacaria a crise climática que continuará mesmo quando a atual pandemia pertencer ao passado. Ser engenheiro é ser capaz de encontrar as soluções mais criativas, eficazes e inovadores para resolver os problemas. Olhando para o futuro, procuremos aproveitar todas as oportunidades para aprender, enfrentar desafios e procurar soluções para continuarmos a ser um dos pilares da sociedade moderna.
 
Para fechar: Há Engenharia em tudo o que há? Comente.
A Engenharia está em todo o lado. Não é possível pensar na sociedade em que vivemos sem pensar em Engenharia. E a Engenharia tem como papel fundamental encontrar soluções que permitam dar resposta aos problemas que enfrentamos, mas também melhorar processos de forma a tornar a sociedade mais próspera e equilibrada, beneficiando todos por igual.
 
 

Ciclo de entrevistas exclusivas da Plataforma de Notícias da OERN (HaEngenharia.pt) aos reitores das Universidades, presidentes dos Institutos Politécnicos e  diretores das instituições de ensino de Engenharia.

 

#1 Entrevista João Falcão e Cunha, Director da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)
#2 Entrevista Pedro Arezes, Presidente da Escola de Engenharia da Universidade do Minho (EEUM) 
#3 Entrevista João Rocha, Presidente do Politécnico do Porto

 

Entrevista e texto: Catarina Soutinho / Design gráfico: Melissa Costa

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