Entrevista: Pedro Arezes, Presidente da Escola de Engenharia da Universidade do Minho

Ciclo de entrevistas exclusivas da Plataforma de Notícias da OERN (HaEngenharia.pt) aos diretores das instituições de ensino de Engenharia, reitores das Universidades e presidentes dos Institutos Politécnicos.
 

Pedro Arezes, Presidente da Escola de Engenharia da Universidade do Minho (EEUM) partilha connosco uma reflexão sobre o papel da Engenharia, dos engenheiros e dos académicos, no atual contexto em que todos questionamos o futuro.  O presidente da Escola de Engenharia lembra que as universidades têm de estar preparadas para “dar resposta às necessidades da sociedade, em termos de recursos humanos, de conhecimento, de ferramentas, de processos e de inovação” por isso as iniciativas da comunidade académica para ajudar no combate ao vírus são “uma resposta natural”. 
Entre muito outros detalhes, esta entrevista mostra, sobretudo, um enorme orgulho pelo que é desenvolvido por alunos, professores e investigadores desta instituição. Pedro Arezes assume que a  formação que a EEUM dá aos alunos  “deve prepará-los para responder do ponto de vista técnico mas deve conferir uma caráter humanista e de cidadania, características essas que são essenciais em situações de crise como a que vivemos” 
 
Há uma exigência extra para os engenheiros, dos quais se espera pro-atividade e soluções para ajudar a combater o vírus?
Não sendo uma exigência, creio que existe uma grande expetativa nos engenheiros. E nós na EEUM formamos os nossos alunos com esse objetivo, o de poderem responder a situações complexas com soluções construtivas e inovadoras, sejam elas para situações de pandemia ou noutros contextos. Nesta situação específica em que a sociedade necessita da ajuda de todos, a expetativa nos nossos alunos é ainda maior no sentido em que a formação que temos deve prepará-los para responder do ponto de vista técnico mas, igualmente importante, deve conferir um caráter humanista e de cidadania, características essas que são essenciais em situações de crise como a que vivemos. Trabalhamos com os nossos alunos não só as suas competências técnicas ou tecnológicas, mas também estamos cada vez mais empenhados em trabalhar as suas competências transversais, como a capacidade de reflexão crítica, a comunicação, a liderança, a empatia, e outras tantas que permitirão que os alunos sejam profissionais de excelência e, como é óbvio, cidadãos em toda a sua plenitude. Um destes contributos, que me marcou particularmente, foi a iniciativa da comissão organizadora das Jornadas de Engenharia Informática da EEUM, a qual resolveu doar o valor conseguido durante a organização das últimas jornadas (cerca de 10.000 €) à Liga de Amigos do Hospital de Braga com o objetivo (já conseguido, devo mencionar) de adquirir mais ventiladores para esta unidade hospitalar.

Acredita em alterações profunda no mercado de trabalho para a Engenharia após este período?
O futuro do mercado de trabalho não voltará, pelo menos no imediato, à situação que tínhamos exatamente antes da pandemia. No entanto, o meu otimismo leva-me a crer que neste contexto mais difícil, a área da Engenharia e tecnologia em geral poderão ter uma recuperação mais rápida. Esta minha opinião assenta no facto de achar que a recuperação da economia pode ser mais rápida que noutras crises financeiras anteriores e por me parecer que a área da tecnologia poderá acabar por criar novas oportunidades de produtos e serviços que permitam a sua recuperação mais rápida. Mesmo na área industrial, parece-me que poderá haver novas oportunidades. Tenho em mente o exemplo da área têxtil e calçado, onde me parece que muita da produção que estava localizada em países asiáticos irá, parece-me, voltar a ser chamada para uma geografia europeia.

 Mas haverá áreas da Engenharia que se vão ressentir…
Temo que noutras áreas, como por exemplo na construção, o desenvolvimento positivo que se vinha a observar nos últimos tempos, nomeadamente na chamada “nova construção”, seja interrompido e demore muito mais tempo a ser recuperado. As recuperações económicas são sempre difíceis e complexas, mas as empresas e instituições terão de o fazer e ter criatividade para se reinventarem. É nesta “reinvenção” que os recém-licenciados de Engenharia poderão ter alguma vantagem adicional quando comparados com outros grupos da população.
 
As universidades e os politécnicos têm tido um papel muito ativo na procura de soluções para combater esta pandemia. Como comenta?
Francamente, e sem falsas modéstias, vejo estas iniciativas como uma resposta natural. Nestas situações todos somos convocados a ajudar e a academia, na área da Engenharia mas não só, tem ferramentas e conhecimento que permitem dar uma resposta de forma mais célere. Tem havido algum mediatismo em volta das respostas com um cariz mais tecnológico, como o desenvolvimento de ventiladores de baixo custo, a modelação e impressão 3D de máscaras de proteção, o desenvolvimento de testes de diagnóstico, ou ainda a produção de gel alcoólico desinfetante. Contudo, há muitos académicos a trabalhar em domínios menos mediáticos, como por exemplo, a desenvolver planos de manutenção eficaz dos dispositivos biomédicos nos hospitais, a desenvolver plataformas e aplicações informáticas que permitam uma gestão mais eficaz dos dados que existem sobre a pandemia, no planeamento logístico e na otimização dos equipamentos hospitalares existentes, só para nomear alguns exemplos. A missão das universidades tem, com frequência, referências à aplicação do conhecimento desenvolvido nestas instituições e, no caso particular da UMinho, até o faz com o objetivo declarado de “construir um modelo de sociedade baseado em princípios humanistas, que tenha o saber, a criatividade e a inovação como fatores de crescimento, desenvolvimento sustentável, bem-estar e solidariedade”​.  Portanto, uma universidade tem que estar preparada para dar resposta às necessidades da sociedade, em termos de recursos humanos, de conhecimento, de ferramentas, de processos e de inovação. Em resumo, tem que ser criativa o suficiente para encontrar solução para os desafios que possam surgir, como este que estamos a viver.

O que está a desenvolver a Escola de Engenharia da UMinho?
Embora na Escola de Engenharia da Universidade do Minho (EEUM) tenhamos decidido não apostar na excessiva mediatização das iniciativas que têm ocorrido neste contexto, é justo referir que, de imediato, surgiram várias iniciativas por parte dos nossos alunos, alumni, docentes e investigadores. Todos elas visam encontrar soluções criativas para este período, desde a produção de viseiras, máscaras, ventiladores, aos testes de diagnóstico ao novo coronavírus, esta última em colaboração com a Escola de Medicina da UMinho. Estas iniciativas são o reflexo do posicionamento da EEUM, e dos membros desta comunidade académica, quanto à necessidade de termos uma ligação estreita à sociedade e ao tecido empresarial, dando também uma vertente mais prática ao nosso modelo de ensino. Criámos, inclusive, uma plataforma de comunicação entre toda a comunidade académica, para partilha de informação e recursos neste âmbito e que nos colocou em contacto com inúmeras IPSS e vários hospitais e unidades de prestação de cuidados de saúde. Não tenho quaisquer dúvidas que na EEUM, e em quase todas as instituições de ensino superior, se assistiu à prova clara daquilo que os cientistas e, por conseguinte, o sistema científico e tecnológico português é capaz na construção do progresso e de uma sociedade melhor.
 
Que medidas são importantes tomar para que os jovens engenheiros e recém-licenciados possam ter oportunidades no mercado de trabalho no qual vai ser, naturalmente, mais difícil de entrar agora?
A EEUM já começa a pensar como pode reforçar o seu papel nesta recuperação. Muitas das atividades que já tínhamos a este respeito serão agora reforçadas. São inúmeras as atividades que fazemos neste domínio, como por exemplo, o programa de Mentorias UMinho, os protocolos de estágios com empresas, programa Carreiras 4.0, o apoio ao empreendedorismo de base tecnológica e à criação do próprio emprego, o Dia da Profissão EEUM (dedicado à apresentação de várias soluções de carreira, com vários parceiros externos), etc. Um importante evento que temos é o “Dia do Emprego EEUM”, onde acolhemos habitualmente um número elevado de empresas para uma interação próxima e direta com os nossos alunos. Em fevereiro deste ano tivemos uma oferta de mais de 3000 oportunidades de carreira disponibilizadas por praticamente 100 empresas de todo o país.

Como vê o futuro das inúmeros startups que nasceram nos últimos anos, muitas delas dependentes do turismo e das empresas tecnológicas que se implementaram no Norte do país?
As startups começam quase sempre com excelentes ideias, mas com grandes dificuldades para se afirmarem em termos empresariais. Os próximos tempos serão desafiantes pois irão criar dificuldades financeiras adicionais, mais não seja pela perda de valor que se tem observado no setor bancário e nos grupos de investidores e, acima de tudo, pela incerteza e desconfiança que existirá neste período de recuperação. A habitual resiliência destes startups será, julgo eu, uma ferramenta essencial para a sua sobrevivência e levarem avante as suas ideias. O ecossistema de spin-offs da Universidade do Minho totalizava, em finais de 2019, 45 projetos, sendo que cerca de 80% surgiram a partir de projetos com base em investigação da EEUM. A grande maioria das nossas spin-offs são da área da biotecnologia, da informática e sistemas de informação, da Engenharia Têxtil, Mecânica e Industrial, pelo que estamos convencidos que a sua pertinência e oportunidade se manterá, vendo até reforçadas as oportunidades de negócio no médio-prazo. E se é verdade que o setor do turismo será mais penalizado com esta crise, estou convencido que muitas das startups que se criam a partir da EEUM ainda não têm uma orientação predominante para esse setor, o que atenuará a “pressão” sobre as nossas spin-offs. Em resumo, julgo que os nossos empreendedores têm mostrado uma capacidade enorme de resiliência e de responderem aos desafios que atravessamos. Por isso mesmo, será relevante que as startups também sejam consideradas no acesso a linhas de financiamento que estão a ser pensadas pelo Governo e que sejam criadas medidas adequadas para incentivar os seus financiadores a manter o investimentos nestes empreendedores.
 
As novas tecnologias e o ensino à distância provaram que há margem para outras formas de ensino que não o tradicional. Acredita que haverá uma mudança de paradigma na forma como ensino é lecionado?
Estou convencido que sim. A minha convicção assenta não no desconhecimento prévio que pudesse haver sobre as ferramentas disponíveis para um ensino à distância, mas sobretudo, por constatar que muitas vezes era a simples falta de tempo que não permitia que os docentes pudessem explorar todas as potencialidades que estas novas ferramentas tecnológicas podem trazer ao processo de enino-aprendizagem. Ora esta situação de isolamento permitiu, mesmo que de forma não necessariamente suave, que os docentes tenham agora a possibilidade de criar materiais didáticos em novos formatos. Acho que esta mudança de paradigma será uma realidade em particular no ensino superior, onde desde há alguns anos que estamos a tentar  implementar um processo de aprendizagem que assenta no trabalho autónomo dos nossos  alunos.

A Universidade não perderá assim o seu papel “físico” na vida dos alunos?
Esta fase também permitiu a todos, docente e alunos, perceber a importância central da estrutura física de uma universidade, por percebermos também de forma clara que é esta que nos possibilita uma interação necessária com os restantes colegas, seja a nível académico ou a nível profissional, e que fortalece o sentimento de ligação e de pertença à instituição e à sua história. No caso do ensino da Engenharia, é também mais percetível que há estruturas físicas, como os laboratórios, cuja importância é central no processo de aprendizagem. Gostava também de destacar que na EEUM esta transição se processou de forma tranquila, sendo assinalável verificar que o corpo docente, os alunos e o pessoal técnico, administrativo e de gestão, responderam de forma rápida e eficiente a esta nova realidade. Claro que a Universidade ainda se encontra a solucionar algumas questões relacionadas com os recursos, ou a falta deles. Neste sentido, a UMinho lançou uma campanha muito recentemente que visa identificar estas situações e angariar equipamentos informáticos junto da sociedade e dos nossos alumni, para que todos os nossos alunos possam ter acesso aos meios necessários.
 
Como espera que seja o retorno à normalidade numa instituição com milhares de alunos de todo o mundo como a UMinho?
Será certamente uma nova situação que, presumo, será ainda muito marcada pela incerteza e desconfiança. Incerteza relativamente ao que nos espera dentro desta nova normalidade, mas também de alguma desconfiança sobre se as nossas ações serão ou não seguras. Imagino que algumas das nossas atividade sofrerão alterações significativas, estou a pensar por exemplo, no caso de grandes eventos que juntavam um número elevado de pessoas e que, provavelmente, não voltarão a acontecer tão cedo, assim como as várias viagens que a comunidade da EEUM fazia e que também me parece que levará o seu tempo a normalizar. Mas uma das coisas fantásticas das gerações mais jovens é que, associada à sua elevada resiliência, tem uma maravilhosa capacidade de adaptação, pelo que estou certo que muito em breve os campi da UMinho fervilharão novamente com ideias das suas habituais mentes brilhantes. Para toda a comunidade EEUM, penso que teremos de ver esta situação como uma oportunidade, ou seja como um momento de aprendizagem e como uma experiência social única, que nos permite aprender e a por em prática valores que nem sempre nos norteiam, como a empatia, a solidariedade, o reconhecimento, entre outros. Neste momento, espero que haja uma resposta forte e adequada pelos vários governos e que o regresso dos alunos oriundos de vários países à EEUM esteja mais perto. Queremos todos um rápido regresso, mas acima de tudo, que este se dê com a máxima segurança e conforto possível. Seguiremos de perto as orientações dadas pela DGS e restantes autoridades de saúde, bem como as diretrizes dadas pela Reitoria da Universidade do Minho

Como pode a Ordem dos Engenheiros ter um papel mais ativo e determinante no pós pandemia e no apoio aos seus membros.
Entendo que a OE poderá desenvolver algumas iniciativas que visem o fortalecimento da imagem dos profissionais de Engenharia, agindo como agência promotora da classe no tecido económico empresarial. A Ordem dos Engenheiros já vinha a atuar nalguns domínios mas agora torna-se mais urgente e relevante, como por exemplo, na defesa das competências dos engenheiros, nomeadamente quando existe a tentação das mesmas poderem vir a ser assumidas por outros profissionais, ou o apoio à criação de oportunidade de estágios para os recém-licenciados junto de empresas. Neste período de crise que ainda vivemos, a OE poderá ser o interlocutor mais forte junto das entidades governamentais para alertar acerca da situação de fragilidade de algumas empresas na área da Engenharia e, acima de tudo, reclamar um apoio dirigido aos profissionais que fiquem em situações de dificuldade neste período de crise.
 
Pedia-lhe uma mensagem para todos os engenheiros e estudantes de Engenharia que irão ler esta entrevista.
A Engenharia e os engenheiros sempre tiveram um papel marcante nas grandes crises mundiais, desde as pandemias às catástrofes naturais, sem esquecer as guerras mundiais. Estou certo que esta pandemia servirá também para mostrar que o que ensinamos em Engenharia, as ferramentas, a criatividade, a capacidade de antever soluções, o trabalho colaborativo e multidisciplinar, o gosto pelo desafio, o pensamento crítico, a solidariedade e os princípios humanistas, são parte do nosso ADN e será o que mais nos orgulhará. Curiosamente ou não, são também estas mesmas características que ambicionamos que constituam a marca indelével de quem se formou na EEUM.

Para fechar: Há Engenharia em tudo o que há? Comente. 
Certamente. Por outras palavras, a Engenharia é omnipresente. Tudo o que há, resulta de um qualquer  processo e da sua criação. E onde há um processo criativo, há a possibilidade de o mesmo ser estudado e melhorado através da ciência e tecnologia para benefício de todos – eis a Engenharia.
 

Ciclo de entrevistas exclusivas da Plataforma de Notícias da OERN (HaEngenharia.pt) aos diretores das instituições de ensino de Engenharia, reitores das Universidades e presidentes dos Institutos Politécnicos.

 

#1 Entrevista João Falcão e Cunha, Director da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)
#2 Entrevista Pedro Arezes, Presidente da Escola de Engenharia da Universidade do Minho (EEUM) 
#3 Entrevista João Rocha, Presidente do Politécnico do Porto
#4 Entrevista Fontaínhas Fernandes, Reitor da Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)

 
 

Entrevista e texto: Catarina Soutinho / Design gráfico: Melissa Costa

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