Grande Entrevista de Engenharia com… José Antas de Barros

É no Hospital Pediátrico S. José em Bor, na Guiné-Bissau onde os seus conhecimentos em Engenharia ganharam um novo significado. José Antas de Barros Engenheiro de Gestão Industrial, com mestrado na mesma área, é também um Engenheiro humanitário.

Depois de passar pela indústria têxtil, indústria automóvel e finalmente farmácia comunitária e laboratório de análises clínicas, foi na Guiné-Bissau que encontrou a inspiração para desenvolver o seu mestrado que este ano ganhou o prémio de melhor dissertação de mestrado da Universidade do Minho. Conheça o Engenheiro Humanitário que convida todos os engenheiros a juntar-se a esta causa.

Nome: José Joaquim de Antas de Barros de Queiroz Aguiar

Idade: 49
Formação: Engenharia de Gestão Industrial – Mestrado em Gestão Industrial – Ramo logística
Função atual: Gestor de empresas e especialista em logística
Empresa atual: Manuel Pimenta, Lda e Engenheiros Sem Fronteiras, Lda

Passou pela indústria têxtil, indústria automóvel, farmácia e análises clínicas. O que o fez dedicar-se as causas humanitárias?

A convite do meu Sogro (farmacêutico e especialista em análises clínicas, Dr. Manuel Pimenta) conheci a Guiné-Bissau em 2017. Foi uma autêntica experiência de vida. Desde então dediquei-me a pensar como é que eu podia ajudar a Guiné. É um país onde podemos pôr os nossos conhecimentos ao serviço de causas humanitárias. Fiquei encantado com a riqueza emocional e a simplicidade do povo da Guiné. Além do que podemos dar é também um excelente país para desenvolvemos competências. Podemos explorar os nossos conhecimentos técnicos sem estarmos limitados por preconceitos.

O que faz exatamente um Engenheiro de Gestão Industrial na Guiné-Bissau e em regime de voluntariado?

O facto de estar há mais de uma década na gestão de farmácia comunitária e laboratório de análises clínicas, contribuiu para me focar essencialmente em causas humanitárias na área da saúde. Assim, faço voluntariado – com muita paixão – no Hospital Pediátrico S. José em Bor. O trabalho é sempre em grupo e com as pessoas envolvidas no processo: diretor-geral, médicos, enfermeiros, técnicos e administrativos. Queremos melhorar processos em contexto de ambientes desfavorecidos. Criamos processos clínicos únicos para benefício do utente, implementamos a triagem de Manchester e colocamos os equipamentos de análises clínicas a transmitir diretamente os resultados analíticos para o sistema informático do hospital pediátrico. Assim a validação biopatológica ficou mais eficiente, evitando-se erros de transcrição dos resultados. Foram definidos e normalizados processos. Desenvolveram-se competências internas para o bem da sociedade.

Para a maior parte das pessoas, não há uma perceção real do trabalho de voluntariado em zonas onde falta tudo. Como explicar a diferença que um engenheiro pode fazer num contexto como a Guiné?

Um engenheiro num contexto humanitário deste tipo, alinha objetivos, agiliza processos e otimiza recursos que são, naturalmente, escassos. Temos a liberdade para olhar para além do horizonte e criar as condições para projetar a saúde. O engenheiro pode concentrar as informações clínicas, das diversas especialidades, no mesmo processo informático e reduzir os tempos das filas de espera sem interferir na atividade dos profissionais de saúde. Temos sempre margem e espaço para crescer. Há uma confiança mútua e um propósito comum entre os voluntários: cuidar do próximo.

Que tipo de engenheiros fazem falta para os projetos que está envolvido na Guiné

Os que sabem escutar e compreender o outro. Fazer o que os outros precisam e não o que nós queremos ou o que nos agrada mais. Interessa à sociedade desenvolver condições de saúde e ensino. A contribuição pode ser em tempo, dedicação e partilha de conhecimento. Todos os colegas dos Colégios da Ordem dos Engenheiros são altamente necessários. Juntar a camaradagem às elevadas competências técnicas dos engenheiros resultará em experiências extremamente positivas.

Quais os skills que acha fundamentais terem?

Capacidade em identificar os problemas existentes. Juntar as pessoas envolvidas no processo. Análise e propostas de novos processos e fluxos de informação. Apresentar indicadores, monitorização de resultados e retornos obtidos. Eliminar operações que não acrescentam valor e diminuem tempos de operação. Foco no trabalho, vontade em terminar as tarefas e respeitar o tempo dos outros.

Como podem juntar-se à missão?

Criei, com a minha mulher, os Engenheiros Sem Fronteiras, que tem âmbito geográfico internacional (Portugal e Guiné-Bissau) e âmbito de conhecimento alargado (sem fronteiras). Podem contactar por e-mail: antasdebarros@engenheiros.pt e de acordo com o propósito e vocação é possível desenvolver e contribuir para uma sociedade melhor.

Em que consiste os “Engenheiros Sem Fronteiras”?

Ao fim de 5 missões na Guiné-Bissau cheguei à conclusão que fazia sentido criar um projeto dedicado à população mais vulnerável. Ter um propósito de servir a sociedade e criar um ambiente sustentável de uma forma holística, conceito que abrange as preocupações sociais, ambientais, económicas e éticas. Potenciar novos processos, ter e desenvolver um suporte tecnológico relevante. Esta estratégia incluí comprometimento em gerar benefício com os stakeholders importantes.

Ganhou em 2022 o prémio de melhor dissertação de mestrado da Universidade do Minho. Conte-nos em que constou o seu mestrado.

O mestrado em Engenharia e Gestão Industrial – ramo da logística, visava medir e desenvolver processos logísticos que melhorassem o sistema de saúde no Hospital Pediátrico da Guiné. Melhorar as listas de espera, dar a conhecer as condições de saúde dos utentes aos médicos e eliminar erros de transcrição de resultados dos aparelhos para os boletins de análises clínicas. Para tanto envolveram-se 3 dimensões: reduziu-se desperdício (processos), envolveram-se as pessoas que deram ideias e acompanharam o processo (staff) e criaram-se condições de aparelhos e software (organização). Foram feitas pesquisas no Kingdom of Saudi Arabia Hospital que tinha também problemas com filas de espera; a Mayo Clinic (EUA) que tinha problemas com a logística do registo da clínica dos utentes por parte dos médicos; a Massachusetts Eye and Ear Clinic (EUA) que tinha problemas de alocação de recursos humanos; e no distrito da Toscánia (Itália) que reportava que mais do que 21% da população renunciava ao tratamento devido às longas filas de espera e que isso trazia complicações e agravava o estado de saúde dos utentes; A Universidade do Texas MD Anderson Cancer Center e o Boston Children’s Hospital (EUA) tinham o problema de alocação de custos para cada ciclo de tratamento dos utentes; Foram usadas ferramentas do Kaisen, TDABC (Time-driven activity-based costing) e 5W2H. Para o Sistema proposto, implementou-se um AHMS (Automated Hospital Management System) com Triagem de Manchester, EMR (Electronic Medical Records), LIS (Laboratory Information System) e PID (Personal Identification for Outpatient). Os custos desceram 32% e o tempo do ciclo de tratamento diminuiu 67%. Passamos de uma situação muito confusa para uma situação extraordinariamente complexa. Agora temos um Hospital e um Laboratório de Análises Clínicas com melhor serviço para a sociedade.

Nomeie um Engenheiro que esteja a desenvolver um trabalho que aprecia, dentro ou fora de Portugal.

O Engenheiro Pedro Arezes, Diretor da Escola de Engenharia da Universidade do Minho, Director do MIT Portugal Program (Massachusetts Institute of Technology) e onde as Suas aptidões e competências foram seleccionadas pela NASA (National Aeronautics and Space Administration) para desenvolver produtos para os fatos dos astronautas.

Que conselho poderia dar aos que agora estão a entrar para um curso de Engenharia e também para aqueles que estão a concluir?

Vão às aulas. Respeitem os professores. Sejam humildes e ouçam as orientações de quem vos ensina ou de quem está a tentar comunicar. Façam por entender a opinião dos outros. Criem empatia. Façam bastante formação. No meu caso específico, continuei a desenvolver competências com formações na Universidade do Minho, na Universidade Católica no Porto, na Universidade Católica de Lisboa e em Harvard University. Assim tenho consciência, segurança e melhor preparação para ser útil à sociedade.

Na Região Norte, temos um claim que é “Há Engenharia em tudo o que há”? Concorda? Explique.

A engenharia muda o mundo e temos exemplos concretos que melhora as condições de trabalho e da sociedade. Exemplos: Engenharia Agronómica, Ambiente, Biológica, Civil, Eletrotécnica, Florestal, Geográfica, Geológica e Minas, Gestão Industrial, Informática, Materiais, Mecânica e Engenharia Química. Todas estas valências são sinérgicas e um “boost” para desenvolver uma sociedade mais sustentável do ponto de vista ambiental, económico e social.

Entrevista: Catarina Soutinho | Design Gráfico: Melissa Costa

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