Grandes entrevistas de Engenharia com… César Ferreira, engenheiro Civil

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César Ferreira, o engenheiro civil envolvido na construção e manutenção de hotéis/casinos de Macau. A imponência das obras que nos reporta só é comparável com a paixão com que César partilha a sua experiência internacional. Conheça o seu percurso e opinião sobre o futuro da engenharia Civil, em mais Grande Entrevista da OERN

Atualmente trabalha em Macau, como Project Manager no departamento de construção da Wynn Design & Development. César Ferreira tem sob a sua alçada todos os pacotes de trabalho relacionados com os trabalhos exteriores do impressionante Wynn Palace. E quando falamos de exteriores , falamos de obras na fachada em vidro da torre do Wynn Palace, composta por 16 mil painéis, fachada do pódium, infraestruturas da propriedade, estradas de acesso, todos os andaimes para trabalhos temporários, decks das piscinas, esta com 13 mil m2, toda a extensão dos telhados, com cerca de 60 mil m2, jardins e espaços comuns, com 42 mil m2, lago com espetáculo de jatos de água, de 33 mil m2, teleférico com vista panorâmica da propriedade, entre outros. Muitos detalhes? Muitos números? Sim, é este o trabalho atual do nosso entrevistado César Ferreira.
O César começa a carreira como muitos outros Engenheiros civis: em pequenas empresas e dependente da conjuntura nacional.
O início do meu percurso profissional, penso que foi um lugar comum a muitos colegas de curso. Assim que acabei a faculdade, tive a oportunidade de iniciar a minha carreira numa empresa local onde, maioritariamente, desempenhava funções de projetista, embora também realizasse o acompanhamento técnico de obra. Por volta do ano de 2012, devido à notória conjuntura nacional que se vivia (e faço enfoque na situação económica), que derivava nalgum descontentamento profissional (geral), comecei então a olhar para além das nossas fronteiras.  É nesse momento que surge a oportunidade de Macau, que abracei em janeiro de 2013, inicialmente para um período de apenas 6 meses.
Que oportunidade foi essa? Como surge?
Recordo-me de ler num jornal que reportava que nesse ano (2013) acabariam por sair do país mais de 100 mil pessoas, número este inclusivamente superior à enorme emigração das décadas de 60 e 70. Dito isto, houve uma particularidade em 2013, é que grande parte das pessoas que procuravam melhores condições fora do país tinham, desta feita, formação superior. Assim neste contexto, a oportunidade de trabalhar fora surge através do programa “INOV Contacto”, promovido pelo Ministério da Economia e da Inovação, apoiado pela União Europeia e pelo QREN/POPH e gerida pela AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal.  Assim, vou para Macau e junto-me então à equipa da PAL Asiaconsult (Grupo Profabril) empresa que se encontra estabelecida em Macau desde 1978, tendo uma notável participação no desenvolvimento do país, como se evidencia pela participação nas obras do Aeroporto de Macau, o Terminal Marítimo do Porto Exterior, o novo Terminal Marítimo do Pac On. A empresa interveio ainda no icónico projeto (chave-na-mão) do Pavilhão de Portugal na Expo-Xangai e contratado pelo Governo.
Mas findos esses meses decide permanecer em Macau…
Um dos projectos que participei foi a do Metro Ligeiro de Macau, mais concretamente na respetiva fiscalização e acompanhamento de obra. A título de curiosidade, a designação em inglês “Light Rail Transit” (LRT) define o sistema de transporte de massa, com baixa emissão de carbono e com um design ecológico. Diria que foi nesse momento que me comecei a acostumar à ideia de estar em Macau e quando surge o interesse de permanecer na região. Em muito ajudou o facto de se estarem a desenvolver projetos gigantescos e de grande complexidade na região, mais concretamente no Cotai. Contextualizando, Cotai é a designação dada ao aterro construído entre as ilhas da Taipa e Coloane (daí a designação Co + Tai). É impressionante constatar que edifícios daquela dimensão assentam em cerca de 5 km2 conquistados ao mar (num curtíssimo espaço temporal). É também nesta altura que conheço o administrador do meu futuro empregador, que me chamou para um novo desafio.
Estava no sítio certo na hora certa?
De facto, tive alguma sorte no timing uma vez que a Top Builders acabava de ganhar uma empreitada para a construção de um novo hotel/casino no Cotai, o Parisian, o qual teria um custo aproximado de 3 mil milhões de dólares americanos – valores impensáveis para Portugal.
E qual foi a sua participação nessa obra?
Em conjunto com um colega irlandês e outro oriundo de Hong Kong, formámos a equipa que estava responsável pelos trabalhos de subestrutura e superestrutura. Era, até então, a maior empreitada onde havia estado envolvido e devido à grande extensão da área de trabalho (250 mil m2) e dos curtíssimos prazos de execução, o site funcionava todos dias da semana, durante períodos diurnos e noturnos. A media diária de trabalhadores na obra rondava as 4 mil pessoas.
Foi então algo absolutamente grandioso?
A título de exemplo, para providenciar um enquadramento da velocidade de execução e da extrema correção necessária, aquando da construção da estrutura da torre, estávamos a fazer ciclos de 4 dias em betão. Ou seja, a cada 4 dias crescia um piso em cada uma das asas da torre. Foi um desafio excitante e no qual tive oportunidade de verdadeiramente exponenciar o meu conhecimento profissional. Mantive-me nesta obra até ao final de 2014, aquando do termo dos trabalhos adjudicados – sinceramente, nem dei pelo tempo passar tal era a motivação.
E nesta sequência salta para um projeto ainda maior: o Wynn Palace?
Sim. Ao mesmo tempo que acabávamos os trabalhos no Parisian, decorriam também no aterro do Cotai outras grandes empreitadas com a mesma génese. É nesta altura que surge a oportunidade de me juntar à equipa da Leighton Asia (CPB Contractors), responsável por todos os trabalhos relacionadas com o Wynn Palace, com uma área bruta de 450 mil m2, ou seja, superior ao Parisian, e que iria originar 1700 quartos de luxo. O Wynn Palace tinha os trabalhos a decorrer já há algum tempo e entrava agora na fase crítica de conclusão da estrutura do pódium em paralelo com os trabalhos de acabamento (o chamado “fit-out”).  Depois de ter trabalhado em uma organização de matriz chinesa, a mudança para Leighton revelava-se uma excelente oportunidade, não só de participar num projeto de maior dimensão, mas também pelo facto de agora estar sobre a alçada de uma empresa de origem Australiana. O custo total da obra ultrapassou os 4 mil milhões de USD, sendo que os cerca de 700 técnicos da empresa (incluindo eu), tinham a seu cargo a gestão dos designados subempreiteiros, dinâmica bastante interessante e distinta do meu desafio anterior. Comecei inicialmente por integrar a equipa estrutural do pódium, e com o decorrer do tempo fiz a transição para a equipa de fit-out. E se o número de 4 mil trabalhadores do Parisian já era impressionante, dei de caras neste novo projeto com uma média de 7 mil. Em janeiro de 2016, acabei por ser contratado pelo designado dono da obra, ou seja, a empresa concessionária do resort e que havia contratado a Leighton para a construção do hotel/casino – a conhecida Wynn Resorts -, com a qual ainda colaboro até aos dias de hoje.
Um país diferente, uma cultura diferente, naturalmente que no seu trabalho os desafios são também bem diferentes dos que tinha em Portugal.
O grande desafio é seguir os padrões de qualidade da Wynn (bastante elevados, para não dizer os mais exigentes, quando comparados com os restantes operadores), dentro do orçamento. Acima de tudo, é garantir um produto de qualidade compatível com um resort de 5 estrelas (e classificado como tal pela Forbes). Tal tarefa exige-me a coordenação de equipas para que consigamos cumprir com os programas dos projetos estipulados, bem como servir de ponte de comunicação com executivos da empresa (mas que não estão no departamento de construção), explicando e justificando riscos e potenciais problemas com prazos e orçamentos de execução. Este último prisma permitiu-me o desenvolvimento de “people skills”, porquanto nem sempre as comunicações aos ditos executivos são exatamente aquilo que eles pretendem ouvir e daí a necessidade de gerir sensibilidades e expectativas.
Que tipo de acompanhamento tem um engenheiro a trabalhar em Macau? Que lições podemos tirar?
Não existe muito acompanhamento, no entanto existe boa aceitação dos profissionais portugueses do ramo da construção atendendo às ligações do nosso país à história de Macau.
Compensa estar longe da família e do país? 
É tudo uma questão de perspetiva de cada um. Não conheço ninguém que não tenha saudades. É obvio que estar longe da família e amigos é a parte que mais custa. O facto de termos tido a nossa primeira filha há cerca de 7 meses também começa a pôr a distância em consideração, pois apesar de profissionalmente as coisas estarem a correr de feição, é com pena que vemos a nossa primeira filha crescer longe dos avós, tios e rodeada dos primos. Penso que é inevitável que a certa altura comecemos a ponderar outras opções.
O que podemos esperar dos tempos vindouros, sobretudo quando esta vaga da reabilitação terminar?
 Esta vaga de reabilitação veio agitar o mercado de trabalho e penso que existe uma falsa sensação de “salvamento”. Na minha opinião o que aconteceu foi que, como o mercado estava tão parado, o aparecimento de um primeiro sinal de maior atividade gerou uma expectativa, a meu ver infundada, de que de agora em diante será sempre assim. A engenharia civil não se pode reduzir a umas quantas remodelações de apartamentos para arrendamento temporário ou na alteração da finalidade de um prédio antigo no centro da cidade para servir como “hostel/hotel”. Está tudo relacionado com o turismo e como tal afigurasse-me temporário.
Quais os desafios que a Engenharia Civil enfrenta nos próximos anos? O que deve manter-se, o que deve mudar?
Temo que o futuro da Engenharia não seja muito apetecível se não existir investimento público para obras de maior envergadura, de que tanto precisamos, como o melhoramento de infraestuturas (ex. a rede ferroviária), desenvolvimento das energias alternativas, ou mesmo dos portos (para sermos mais competitivos como “porta de entrada” na Europa). Portanto, o desafio é precisamente esse, ir para além da reabilitação e a solução parece-me passar pelo sector público.
Trace-nos o perfil de um bom engenheiro Civil.
Um engenheiro Civil pode seguir muitos ramos – é difícil traçar um perfil-tipo, pois que depende muito se for projetista, académico, gestor, comercial, ou até mesmo alguém que trabalhe para a Ordem dos Engenheiros. O perfil pretendido sofrerá variações consoante o ramo e foco de carreira. Contudo creio necessário, em geral, ser-se organizado, metódico e ter atenção ao detalhe. Penso que os chamados “soft skills” são também muito importantes porque, no final contas, é uma profissão que vai exigir o relacionamento com e entre pessoas.
Qual acha ser ou qual deveria ser o papel da Ordem na vida profissional dos Engenheiros?
Acho que a Ordem (OE) desempenha um bom papel no que respeita a representação da classe, mas como em tudo, existe espaço para melhorias. Gostaria que a OE conseguisse ter um papel ainda mais ativo no que respeita ao aconselhamento dos novos membros, por exemplo em relação a algumas propostas de trabalho. Como consequência, exercendo algum tipo de cooperação, não só com as universidades, mas também com o tecido empresarial, no que diz respeito a oportunidades de emprego, tentando perceber o que será necessário, em termos de mão-de-obra neste setor, a médio/longo prazo. O facto de ver (ainda hoje) propostas de trabalho (mesmo no site do IEFP) com ofertas de 500 euros mensais, deixa-me no mínimo preocupado.
Nomeie um engenheiro do Norte que esteja a desenvolver um trabalho que aprecia, dentro ou fora de Portugal.
Não consigo nomear apenas um e realmente a lista aqui poderia ser muito longa, porque, tenho de facto tido a sorte de me cruzar com muito boa gente. Com pena de excluir outros, não posso deixar de mencionar o Eng. Luís Rodrigues e o Eng. Tiago Sacadura (ambos no sudeste asiático), que muito bom nome dão à nossa classe e aos Portugueses em geral.
Há engenharia em tudo o que há?
Penso que sim. Engenharia define-se como construir, manter, melhorar sistemas e processos. Considero que está presente em tudo, seja no quotidiano das nossas vidas em sociedade, no seio familiar, na procura de uma vida mais saudável, etc. Repetindo o que disse anteriormente, o objetivo é sempre melhorar sistemas e processos. De uma maneira ou de outra, todos somos um pouco engenheiros, ou no mínimo engenhocas!

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