Grandes Entrevistas de Engenharia com… Diana Abrunhosa

Estudou na FEUP, fez mestrado na Dinamarca. Hoje é engenheira de projeto na Arup, Irlanda, uma empresa multinacional de Engenharia que está na origem da construção e obras como a Opera de Sydney, a Casa da Música, entre muitas outras. 

 
Estudou Engenharia Civil na Feup, fez mestrado em hidráulica na Dinamarca. Hoje é Engenheira de Projeto na Arup, na Irlanda, uma empresa multinacional de Engenharia que está na origem da construção de obras como a Ópera de Sydney ou a Casa da Música, entre muitas outras.
Fomos conhecer Diana Abrunhosa, que nesta inspiradora entrevista partilha o seu percurso e experiência fora do país assumindo no entanto que “A Engenharia em Portugal é boa e sempre será.” E que na sua área, a água, “Portugal está muito mais avançado que a Irlanda!”
Descubra mais sobre esta engenheira, e deixe-se inspirar por esta nova geração de engenheiras.
 

 
A Diana trabalha numa das maiores empresas do mundo, no segmento em que opera. Fale-nos um pouco sobre o seu trabalho. 
Neste momento sou Project Engineer (Engenheira de Projeto) na equipa de tratamento de águas onde tenho maioritariamente trabalhado em gestão de projetos, acompanhamento de obras e algum projeto de ETAs e ETARs. O meu trabalho é maioritariamente passado no escritório com algumas visitas a obras, dependendo das fases do projeto, uma vez que a maioria do nosso trabalho acontece antes da obra ser adjudicada. Sou também líder regional dos jovens profissionais na área das águas da empresa, onde tentamos que haja uma maior interação entre os profissionais nas diferentes regiões da empresa, ajudar no desenvolvimento profissional e também ajudar na mobilidade internacional entre equipas de escritórios sediados em países diferentes. Isto inclui também algumas chamadas às 6 da manhã para conseguir ter colegas de São Francisco ou de Sydney ao mesmo tempo!
 

“A Irlanda é um país muito rural, mas as cidades principais têm imensas oportunidades na área da Engenharia. Dublin neste momento quase que pode ser considerado um Hub de Engenharia.”

 
 
Porque decidiu ir trabalhar para a Irlanda, não haveria uma oportunidade semelhante em Portugal?
Quando recebi uma oferta para emigrar eu tinha emprego em Portugal e era um emprego que gostava com pessoas com quem até hoje mantenho o contacto! No entanto, desde que estive fora do país sempre achei que iria atingir mais objetivos profissionais fora de Portugal, além de toda a experiência profissional e pessoal que daí advém. A Irlanda é um país muito rural mas as cidades principais têm imensas oportunidades na área da Engenharia. Dublin neste momento quase que pode ser considerado um Hub de Engenharia. A minha experiência de Erasmus deu-me a ver uma outra realidade, abriu-me os horizontes. Acho que a minha geração já não se vê como um cidadão português, ou irlandês. Somos cidadãos do mundo. Um dia trabalhamos em Portugal, no outro podemos estar na Irlanda ou em qualquer parte do mundo.
 
 

“As áreas STEM (Science Technology Engineering and Maths) ainda são áreas que têm muito pouca afluência por parte do sexo feminino na Irlanda.”

 
 
Uma mulher, engenheira e estrangeira pode ser desafiante. Como foi a sua integração na empresa?
Quando me mudei para a Irlanda fui para uma empresa que pertence ao Grupo Mota-Engil, o que ajudou na integração embora na altura não fossemos mais que uns 8 portugueses, talvez. No geral nunca tive problemas, especialmente agora que estou numa empresa onde cerca de metade dos trabalhadores são estrangeiros e que a diversidade e inclusividade fazem cada vez mais parte dos valores da empresa. As áreas STEM (Science Technology Engineering and Maths) ainda são áreas que têm muito pouca afluência por parte do sexo feminino na Irlanda. Existem imensos eventos para alunas (sexo feminino apenas!) do secundário a apelar para que estas áreas sejam consideradas. Existe um evento chamado “I Wish” onde já fiz parte de uma mesa redonda sobre como é ser mulher e trabalhar nestas áreas e mostrar que Engenharia, no meu exemplo, tanto é para homem como mulher, basta querer. Já me encontrei em diversas situações em que era a única mulher na sala e também a pessoa mais jovem, no entanto, é importante ser assertiva e confiante no nosso trabalho e não nos deixarmos intimidar. Se lá estamos é por algum motivo!

 
Compensa estar longe da família? Vale a pena?
Há prós e contras em todas as escolhas que fazemos ou então não seriam escolhas.  Estar longe da família ou dos amigos não é o ideal, mas foi uma escolha que não sinto que tenha sido errada e os meus pais, sabendo o tipo de futuro que poderia estar à espera em Portugal, sempre me apoiaram. A qualidade de vida é muito relativa e depende de cada pessoa. Mas sendo uma pessoa que gosta de viajar, há viagens que dificilmente teria feito estando a trabalhar em Portugal, por exemplo, e sinto que tenho uma vida mais confortável do que se tivesse ficado a trabalhar em Portugal. A nível profissional, até hoje, compensou sempre. A nível pessoal há sempre altos e baixos, mas é uma experiência e penso que toda a gente devia ter algum tempo na vida para explorar coisas diferentes, principalmente quando se é novo. Até hoje sempre valeu a pena. Se algum dia deixar de valer, será talvez tempo de repensar!
 

“A Engenharia continua a ser uma profissão de homens para quem quiser continuar a acreditar que o é. Engenharia é para todos, independentemente do sexo, religião ou cor.”

 
O que é para si mais desafiante e mais compensador enquanto engenheira que trabalha fora do país?
A diversidade de projetos e das pessoas com quem contactamos e trabalhamos. Eu já trabalhei em conjunto com pessoas do Reino Unido à Austrália e a partilha de conhecimentos, experiências e diferentes realidades faz-nos ver diferentes pontos de vista e ser, por vezes, mais inovadores ou criativos nas soluções propostas. Obviamente que quando um projeto corre bastante bem e recebemos o devido reconhecimento, é bastante compensador. E este reconhecimento vem tanto da parte do cliente como da empresa onde trabalhamos até às Instituiçoes equivalentes à Ordem dos Engenheiros.

 
A Engenharia continua a ser uma profissão de homens?
A Engenharia continua a ser uma profissão de homens para quem quiser continuar a acreditar que o é. Engenharia é para todos, independentemente do sexo, religião ou cor.  Acho que o mais importante é introduzir as áreas científicas numa idade bastante jovem para que as crianças comecem a desenvolver interesse desde cedo. A liberdade de escolha do curso também é uma realidade mas penso que ao longo das gerações esse mito começa a ficar para trás e espero que com o passar dos anos, as gerações mais recentes mostrem que esse pensamento é retrógrado. Estive envolvida num projeto interessante há um ano onde passei 6 semanas com uma turma de uma escola primária em Dublin em que todas as semanas apresentava um tipo de Engenharia diferente e o entusiasmo das crianças crescia de semana para semana, e era igual em rapazes e raparigas. É necessário mais programas destes para que as crianças comecem cedo a perceber o que são as áreas das ciências e engenharias para que, dentro de algumas gerações, sejam apenas mais uma profissão para qualquer pessoa.
 

Sobre as diferenças entre trabalhar me Portugal e na Irlanda

“A política do trabalho. Ficar no escritório até as 20h não significa que sabe mais, por vezes até pode dar a ideia que não sabe priorizar o trabalho ou ser eficiente!”

 
 
Trabalha na Irlanda, é seguramente muito diferente de trabalhar em Portugal. Quais as grandes diferenças que encontra?
A política do trabalho. Ficar no escritório até as 20h não significa que sabe mais, por vezes até pode dar a ideia que não sabe priorizar o trabalho ou ser eficiente! Claro que há exceções, mas as pessoas geralmente cumprem o horário do trabalho, entra-se mais cedo para se sair mais cedo e aproveitar a tarde, seja com amigos ou família – a qualidade de vida/trabalho pesa muito. A maioria dos escritórios é open space o que significa que o diretor da empresa pode estar sentado ao meu lado no dia-a-dia. São poucas as grandes empresas que têm escritórios individuais para certas pessoas. Existe também um fator que acho interessante e é inerente à língua. O facto de não haver o “você” em inglês, o distanciamento entre um diretor e alguém que acabou de entrar na empresa é muito menor. É bastante mais fácil criar empatia. A cultura também pesa. Os pubs são a segunda casa dos irlandeses e era (pre-COVID-19) muito comum irem várias pessoas do escritório beber umas cervejas à sexta-feira depois do trabalho e muitas vezes com os diretores ao nosso lado. Também sinto que as pessoas aqui não ficam muito tempo na mesma empresa, aproveitam as transições para subir de posições/salário havendo um mercado bastante ativo!
 

“A Engenharia em Portugal é boa e sempre será. A formação de Engenharia é boa e é isso que faz o Engenheiro. Na minha área (água), Portugal está muito mais avançado que a Irlanda!”

 
 
Como vê a Engenharia que se faz em Portugal, na sua área em concreto. Consegue identificar o melhor e o pior?
A Engenharia em Portugal é boa e sempre será. A formação de Engenharia é boa e é isso que faz o Engenheiro. Na minha área, Portugal está muito mais avançado que a Irlanda! A Irlanda tem imensas aglomerações onde não há qualquer tipo de tratamento de águas residuais e são despejadas diretamente para o rio. Há também imensas zonas do país onde é necessário ferver a água para a usar. Comparando com Portugal, onde se pode beber água da torneira em quase todo o lado, é uma realidade um bocado diferente.  No geral, na minha área, Portugal está na fase de manutenção e otimização de ETAs e ETARs com algumas, sempre necessárias, construções. A Irlanda ainda tem muito para construir para que a qualidade de vida e acesso a água potável seja equiparável a Portugal.  Um exemplo engraçado aconteceu quando em 2016 fui viver para uma vila relativamente pequena em que toda a gente me dizia que podia beber água da torneira, “é boa” diziam. Passado 1 ano e meio, quando me mudei para a Arup, o primeiro projeto que tive foi a ETA dessa vila – havia um risco de saúde enorme para a população devido à água estar contaminada por não haver tratamento suficiente. O único pensamento que me vem à cabeça é “ainda bem que só lá vivi 3 meses!”.
 
Que tipo de acompanhamento tem um engenheiro a trabalhar na Irlanda?
Diria que talvez o mesmo que tem um engenheiro a trabalhar em Portugal. Quem estuda Engenharia sai da faculdade a saber pensar, tudo o resto vai-se aprendendo ao longo dos anos, inicialmente em pequenas tarefas e guiado por engenheiros mais experientes e com o tempo, e/ou quando se mostram mais capacidades, vai-se tornando mais autónomo e começa-se a ser o experiente que ensina os mais novos. O mais importante é querer saber fazer, perguntar e experimentar, seja em Portugal ou na Irlanda. A única diferença é a língua. Por outro lado, apostam bastante na formação e já tive a oportunidade de viajar várias vezes em trabalho, duas delas para uma formação de 3 dias nas Águas de Portugal e a um seminário, ambas em Lisboa.
 

Algum/a engenheiro/a que esteja a ler esta entrevista e que pense em trabalhar na mesma área, quais as skills que acha fundamentais terem?
Soft skills são extremamente importantes num Engenheiro, independentemente da área. É algo que não é propriamente ensinado numa sala de aula mas que é essencial desenvolver o mais cedo possível. Reuniões e apresentações fazem parte do nosso dia-a-dia. É também preciso ser curioso e querer saber mais, aprender. É uma área que está em constante desenvolvimento, novas tecnologias, novos parâmetros a serem necessários ter em conta, o que faz com que estejamos sempre a necessitar de nos atualizarmos.
 
Tendo em conta a atual crise decorrente da pandemia por covid-19, quais as oportunidades que os engenheiros devem aproveitar? Onde estão as oportunidades, na sua opinião?
Cursos online, sem dúvida. Quer sejam de umas horas ou de um ano em part-time, esta é a altura ideal para investirmos no nosso desenvolvimento profissional e pessoal. Dependendo da área de trabalho, é importante também começar a perceber que um horário flexível, local de trabalho flexível (escritório/casa) pode trazer vantagens. Eu encontro-me a trabalhar de casa desde meio de Março e não sei se voltarei ao escritório antes do Ano Novo. Embora seja preciso alguma disciplina para que também não fiquemos a trabalhar muito mais horas que o normal, existem imensas vantagens para quem tem outras responsabilidades além do trabalho.

Recomenda uma experiência internacional? Porquê?
Acho que após algumas respostas a minha opinião já é esperada! Recomendo uma experiência internacional a todas as pessoas que tenham essa oportunidade, quer seja durante o curso, quer a nível profissional. É uma experiência única, conhecem-se imensas pessoas, somos confrontados com diversas situações que nunca nos deparámos e aprendemos muito sobre nós próprios.
 
Que tipo de engenheiros trabalham consigo, há mais portugueses? Em que áreas?
No meu escritório, e na Arup Ireland, só existem mais dois engenheiros portugueses. Um deles em pontes (que nos conhecemos já da altura da Faculdade) e outra na área de mobilidade inteligente relativamente a transportes. No entanto, globalmente, há muitos engenheiros portugueses de diferentes áreas a trabalhar nos restantes escritórios da Arup nos 4 cantos do mundo.
 
É respeitada e valorizada a formação portuguesa em Engenharia na Irlanda?
Há relativamente poucos engenheiros civis na Irlanda, mas diria que a formação é valorizada no sentido que o nosso conhecimento técnico é bastante notório. Isto, comparando com outras nacionalidades ao nível de engenheiros acabados de terminar a faculdade.
 

“A OERN  tem vindo a criar mais oportunidades de desenvolvimento profissional, o que é bastante importante uma vez que a Engenharia está em constante desenvolvimento e em movimento.”

 
Qual é segredo para ser um bom engenheiro? Há segredo?
Gostar de ser engenheiro. Já fui convidada para fazer várias palestras tanto sobre o meu percurso como sobre Engenharia no geral para diversos tipos de audiências, desde escolas primárias a universidades e muitas vezes perguntam-se se é fácil, se eu gosto, etc. e é importante que os mais jovens percebam que qualquer pessoa é boa na sua profissão se gostar do que faz. Gostar é o primeiro passo para se ser sucedido e subir na carreira. Engenharia passa a ser um hobby e não apenas um trabalho das 9h às 5h.
 
Como vê a atividade da Ordem dos Engenheiros – Região Norte?
A OERN  tem vindo a criar mais oportunidades de desenvolvimento profissional, o que é bastante importante uma vez que a Engenharia está em constante desenvolvimento e em movimento. É preciso que associações como a OE percebam as mudanças das diversas áreas de Engenharia e que acompanhem os representados ao longo da sua carreira.  Acompanho e já participei este ano num curso de 3 dias sobre as alterações climáticas que gostei bastante! 2020 é o ano ideal para nos focarmos em nós e no que queremos melhorar, tanto tempo livre, especialmente agora que me encontro num segundo lockdown!
 

“Já participei este ano num curso (da OERN) de 3 dias sobre as alterações climáticas que gostei bastante!”

 

Nomeie um engenheiro do Norte que esteja a desenvolver um trabalho que aprecia, dentro ou fora de Portugal.
Não nomeio um só Engenheiro mas nomeio todos os Engenheiros que emigraram, não apenas por um salário mais apetecível e melhores condições de trabalho, mas pelo querer fazer mais, atingir mais e viver mais Engenharia pelo mundo. A emigração deixou de ser “porque tem de ser” para um “quero mais”. O Norte é um sítio especial, é a minha casa, mas é também uma direção e isso faz com que seja fácil perceber quando é necessário ir ou voltar!
 

“Há Engenharia desde a nossa casa até mitigação e adaptação das alterações climáticas.”

 

Há Engenharia em tudo o que há? Explique.
Há, e irá sempre haver. Tudo o que nos rodeia, desde a nossa casa, abrir uma torneira, usarmos o nosso computador ou telemóvel, conduzirmos para o trabalho… Tudo isto tem Engenharia e envolve um número enorme de engenheiros! Há Engenharia desde a nossa casa até mitigação e adaptação das alterações climáticas. Cabe-nos a nós, Engenheiros, saber usá-la para tornarmos a Terra num mundo melhor.
 
Reveja as Grandes Entrevistas de Engenharia AQUI

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