É um dos engenheiros envolvidos na construção da Gordie Howe International Bridge que irá conectar a travessia entre Detroit, Michigan, Estados Unidos da América e Windsor, Ontário, Canadá. Formado na FEUP, construiu a carreira fora de Portugal, mas confessa que estar longe da família é o mais difícil.
Filipe Pinto, de 36 anos admite que o que distingue os Engenheiros portugueses dos outros “é a raça que temos no nosso dia-a-dia de obra“. Além disso aponta que o “mercado português está a ficar interessante” com a perspetiva de mais obras públicas o que pode ser uma motivação para os Engenheiros regressarem a Portugal. Conheça melhor o perfil e a carreira de Filipe Pinto.
PERFIL
Nome: Filipe Almeida Pinto
Idade: 36
Formação: Mestrado em Engenharia Civil
Instituição de ensino: FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Função atual: Lead Bridge Deck Engineer (Chefe de Produção)
Empresa atual: Dragados Canada, Inc. (2020 – Atual)
Empresas anteriores: Modera Engenharia, Lda (2012 – 2016), Carrapatelo – Engenharia e Construção, Lda (2016 – 2020)
Para quem não o conhece, fale-nos um pouco do seu percurso profissional para podermos contextualizar os leitores.
Comecei o meu percurso profissional num período e conjunturas complicadas para o início de carreira na área da Engenharia Civil em Portugal. O mercado estava fechado e as saídas profissionais levavam grande parte dos meus colegas de faculdade para mercados estrangeiros, nomeadamente África, América do Sul e Reino Unido. Tinha curiosidade. Mas queria alicerçar um pouco o início de carreira em casa. A escassez de oportunidades, levou-me ao mercado das Seguradoras e avaliações técnicas a imóveis. Foi uma boa curva de aprendizagem no essencial skill de saber lidar com pessoas e começar a ter uma noção de controlo de custos de obras de pequena e média dimensão. Já em 2016, aquando da oportunidade de entrar numa empresa portuguesa de construção e em mercados estrangeiros, não hesitei e mudei-me para Aberdeen, Escócia.
E sentiu logo diferenças?
Aqui entrei no verdadeiro mundo de produção de obras públicas de grande dimensão. O cargo permitiu-me, crescer e aprender de forma intensa como funciona uma obra na sua transversalidade. Como empresa subcontratada, deu-me uma excelente experiência de resiliência num mercado que é bastante agressivo e rápido, onde tudo é para ontem. Aqui começou o mundo da construção de pontes. O segundo projeto, já na Irlanda, 2018, permitiu-me consolidar conhecimento e gerir o contrato de forma mais natural e orgânica. Na mesma condição de empresa subcontratada, estava agora a trabalhar numa ponte recorde mundial do tipo Extradosed, o que adicionava um estímulo extra na execução e produção da mesma. No final deste projeto, em inícios de 2020, tive um convite e desafio irrecusáveis de trabalhar noutro projeto recorde, neste caso na Gordie Howe International Bridge – maior ponte atirantada da América do Norte até à data, que liga o Canadá aos Estados Unidos da América. Neste projeto, já numa construtora de dimensão mundial e parte integrante de consórcio de construção, conseguimos ter finalmente a plenitude e visão completa do funcionamento de uma obra pública, desde a sua fase de contratos, até ao fecho e entrega da mesma, passando por toda a produção e comunicação com os desenhadores e desafios associados.
Sempre tive a ambição de entrar num mega projeto, e sabia que, ou coincidia temporalmente com uma grande obra pública em Portugal, ou seria complicado conseguir fazê-lo em casa e o estrangeiro seria o destino.
Filipe Pinto
Quais foram as principais diferenças que encontrou entre trabalhar em Portugal e no estrangeiro?
A motivação e desejo de trabalhar no estrangeiro sempre me acompanharam desde os tempos da faculdade. Sempre tive a ambição de entrar num mega projeto, e sabia que, ou coincidia temporalmente com uma grande obra pública em Portugal, ou seria complicado conseguir fazê-lo em casa e o estrangeiro seria o destino. O Reino Unido sempre me atraiu bastante, e quando tive oportunidade para mudar-me para a Escócia, não hesitei. Com o acumular da experiência nos diversos países por onde passei, acredito que as maiores diferenças estão na mão-de-obra. Temos gente muito talentosa por este mundo, desde as equipas de carpintaria, pré-esforço, etc, até aos quadros de gestão e direção de obra. Acho que o que nos distingue é a raça que temos no nosso dia-a-dia de obra. Por outro lado, outra das diferenças, mais cultural, é o respeito pelos direitos dos trabalhadores. Neste aspeto, vou assumir que possivelmente temos algo a aprender com os mercados estrangeiros, nomeadamente onde me situo agora, no Canadá. Resumindo, a visão que existe aqui é a seguinte: quando trabalhamos para uma determinada empresa, temos um contrato com a mesma, prestamos um serviço em certos termos e condições previstas. Aqui (em regra geral), se o contrato diz que os trabalhadores trabalham 8 horas, eles não vão oferecer nem mais um minuto à empresa. Se a empresa os quer mais tempo, tem que remunerar. Digo em regra geral, porque nem sempre é aplicável. Ainda é difícil para nós, portugueses, fazer um dia de trabalho em 8 horas.
Portugal começa a estar interessante no que respeita a obras públicas e mercado de trabalho. (…) Com novas obras como a extensão do Metro do Porto, a nova Ponte Ferreirinha, a Linha de Alta Velocidade, novo Aeroporto de Lisboa (recentemente anunciado), uma eventual nova travessia no Tejo para servir este aeroporto.
Filipe Pinto
O que teria que mudar no panorama atual para que pensasse em regressar a Portugal?
Portugal começa a estar interessante no que respeita a obras públicas e mercado de trabalho. As pessoas mexem-se, e já não se fixam ou fidelizam a uma empresa só porque estão nela há determinado tempo. Buscam o que é melhor para elas. Isso faz com o que mercado seja mais competitivo e comece a oferecer melhores condições para atrair mão de obra. As empresas viram-se para as pessoas, porque precisam delas. Para voltar a Portugal, o mercado teria que ser mais competitivo, oferecer desafios de maior dimensão e remunerar melhor, que é o que as pessoas procuram na verdade. Empresas que olhem pelas pessoas, que as motivem a ficar e a produzir com interesse mútuo.
Sente que ter uma experiência internacional é importante? De que maneira?
Absolutamente. Uma experiência no estrangeiro faz-nos regressar mais completos e com visões diferentes sobre um mesmo desafio. Novas ideias valorizam qualquer mercado. O que pode ser feito em Portugal, pode nunca ter sido experimentado no outro lado do mundo, e resultar melhor. E vice-versa. É sempre uma vantagem.
Tenho que destacar o que estou envolvido de momento, Gordie Howe International Bridge, pelos impressionantes números que apresenta. Esta nova travessia fronteiriça é uma solução de ponte atirantada com o maior vão da América do Norte.
Filipe Pinto
Dentro dos projetos em que está envolvido, há algum que se destaque? De que forma?
Sim. Tenho que destacar o que estou envolvido de momento, Gordie Howe International Bridge, pelos impressionantes números que apresenta. Esta nova travessia fronteiriça é uma solução de ponte atirantada com o maior vão da América do Norte, com 853 metros de comprimento entre duas torres marginais (construídas em terra) de 220 metros de altura. São 216 tirantes que permitem vencer este enorme tabuleiro. Uma ponte com tabuleiro misto, composta com estrutura metálica, painéis pré-fabricados de betão, armadura inoxidável, pré-esforço, betão in situ para as uniões e finalmente, tirantes. A esta ponte juntam-se outros componentes do projeto: os 2 Port of Entry (as fronteiras terrestres do Canadá e Estados Unidos, respetivamente) e um Interchange I-75 (Intermodal de acesso à existente auto-estrada do lado americano do projeto). Tudo isto perfaz um total de 6.4 Mil Milhões de Dólares. É sempre motivo de orgulho trabalhar num projeto com estes números.
Como vê a Engenharia que se faz em Portugal, na sua área em concreto? Consegue identificar o melhor e o pior?
Como referi anteriormente, o mercado está a ficar interessante. Com novas obras como a extensão do Metro do Porto, a nova Ponte Ferreirinha, a Linha de Alta Velocidade, novo Aeroporto de Lisboa (recentemente anunciado), uma eventual nova travessia no Tejo para servir este aeroporto, Portugal só tem a ganhar. Isto vai estimular as soluções técnicas, melhorar o mercado, torná-lo mais competitivo. Vamos querer ser melhores, para fazermos parte de tudo isto. É aliciante. Vou apenas dizer que podemos ser mais audazes nas obras que projetamos porque temos toda a capacidade para o fazer, em todas as frentes. Uma nota para a fase da educação, é a promoção e inclusão de estágios durante os cursos superiores em Portugal. É crucial, e em Portugal, pelo menos no meu tempo, era inexistente. Os estudantes aqui têm a possibilidade de integrar as equipas de obra durante 3 a 4 meses e a aprender como funciona um projeto. Isto é absolutamente essencial nas futuras carreiras deles. Saem mais e melhor preparados. São melhores profissionais desde o dia 1.
Que tipo de acompanhamento tem um engenheiro a trabalhar no Canadá?
No que respeita às empresas empregadoras, os recursos humanos trabalham em geral bem e constantemente apostam na formação do individual. Desde ferramentas de trabalho, softwares, a convites e visitas a outras obras e brainstorm de ideias entre elas para partilha de skills. De Portugal, nenhum. Vou apenas seguindo o que vai fazendo e anunciando no nosso país.
Algum/a Engenheiro/a que esteja a ler esta entrevista e que pense em trabalhar na mesma área, quais as skills que acha fundamentais terem?
Soft skills como comunicação, resiliência, e muita flexibilidade são essenciais para a produção. E vêm com a experiência. Os skills adquiridos nas faculdades, nomeadamente o conhecimento de materiais, estruturas e gestão de projetos (e softwares associados) são um excelente add-on nesta área.
Tendo em conta o panorama atual de Portugal, quais as oportunidades que os engenheiros devem aproveitar? Onde estão as oportunidades, na sua opinião?
Obras públicas. E inovação. Empresas próprias, que promovam produtos e soluções diferenciadoras. Obras associadas às novas tecnologias e recursos de energia sustentável. É necessário mais investimento, também.
Qual acha que deveria ser o papel da Ordem dos Engenheiros no futuro e na vida profissional dos Engenheiros?
A Ordem poderia ajudar na promoção de estágios profissionais durante a fase de estudos nas Universidades. Volto a referir que faria a diferença aquando da conclusão do curso de cada indivíduo. Apostar na profissionalização antes mesmo da conclusão da fase académica. Todos sairemos a ganhar, empresas incluídas. Isto tornaria o mercado mais competitivo logo no início de carreira e as empresas menos “sedentas” de estágios profissionais patrocinadas pelo estado e mão de obra barata em muitos casos, descartável.
Quais são os maiores desafios que os Engenheiros enfrentam neste século?
A título pessoal, o nomadismo. É desafiante e difícil para um Engenheiro estar sedeado num só sítio. Ao mesmo tempo que é interessante sob o ponto de vista profissional, pode ter sacrifícios a título pessoal. A globalização do mercado veio trazer isso. Sob o ponto de vista profissional, o verdadeiro desafio é manter-nos atualizados e competitivos. Um refresh de skills constante é essencial assim como nos mantermos com um bom ritmo constantemente. É uma profissão bastante gratificante aquando dos resultados, mas que exige muito de nós.
Nomeie um engenheiro do Norte que esteja a desenvolver um trabalho que aprecia, dentro ou fora de Portugal.
Acompanho com bastante interesse o trabalho de um colega de Faculdade, especialista em Túneis, o Cláudio Cabral Dias. Apesar do pouco contacto depois dos tempos de estudante, creio que nos encontramos em Londres há uns bons anos. Um excelente engenheiro e com bastante sucesso no seu percurso profissional. Agora a desenvolver carreira em Espanha.
Há futuro onde há Engenheiros? Justifique.
Sem dúvida. Afinal é a Engenharia que dá forma às soluções para os problemas e desafios que encontramos no dia a dia. Quanto melhores forem os Engenheiros, mais rápido passamos de um problema, a uma solução. Como costumo dizer à minha equipa, não há problemas, há oportunidades de resolver algo.