Sabe que vinhos beber no Magusto?

Por Vítor Correia, eng. Agrónomo, sénior

O Vinho e o S. Martinho
Em artigo anterior falamos sobre a relação do vinho com o Verão. Se antes falávamos que haveria uma ideia errada sobre o consumo do vinho no Verão, o mesmo já se não passa com outras épocas festivas como o S. Martinho. As tradições nesta festividade ainda pesam!
A História de Martinho de Tours
Já agora interessa contar um pouco a da história do S. Martinho, ou Martinho de Tours. Nasceu no século IV na antiga cidade de Savaria na Panónia, na atual Hungria, à época uma província do Império Romano. Martinho, filho de um comandante romano e de uma família pagã, cresceu na região de Pavia, em Itália, onde se transformaria também num militar, tendo viajado por todo o Império Romano do Ocidente.
Depois de abandonar o exército, acabou por ser baptizado e tornou-se discípulo de S. Hilário bispo de Poitiers, que o ordenou diácono e presbítero. Depois de uma passagem por Milão onde foram perseguidos, regressam a França onde funda o mais antigo mosteiro da Europa, o mosteiro de Marmoutier, na região de Ligugé, ficando conhecido pela produção de inúmeros milagres.
Pregador incansável, foi fundador de várias igrejas rurais, onde atendia tanto ricos como pobres. Morreu a oito de novembro de 397 em Candes e foi sepultado a onze de novembro em Tours.
É na data do seu enterro que se comemora o dia que lhe é dedicado. Acredita-se que, na véspera e no dia das comemorações, o tempo melhora e o sol aparece. O acontecimento é conhecido pelo “verão de São Martinho”
O Dia de São Martinho
O dia de São Martinho é festejado um pouco por todo o mundo e em particular por toda a Europa. Contudo, as celebrações variam de país para país e por vezes até de região para região.
Em Portugal, como diz o ditado popular, “vai à adega e prova o vinho”, ou “S. Martinho, castanhas e vinho”. Mandava a tradição fazer-se um grande magusto e beber-se água-pé e/ou jeropiga. É também a altura em que se prova o novo vinho, ainda que este não esteja finalizado. Em algumas regiões, faziam-se grandes fogueiras com as despontas e restos de podas. A tradição do “saltar as fogueiras” servia como uma grande festividade de encerramento do ano agrícola e, segundo autores como Leite de Vasconcelos ou Veiga de Oliveira, comemoração do Dia de Todos os Santos.
Em outros países, como na Alemanha, acendem-se fogueiras e fazem-se procissões. Em Espanha matam-se porcos, tradição que deu origem ao ditado popular “a cada cerdo le llega su San Martín” (“cada porco tem o seu São Martinho”). Também no Reino Unido existe a expressão “verão de São Martinho” que também ligada com a crença de que o tempo melhora nos dias que antecedem o feriado.
O Novo Vinho
Como veremos, penso que ninguém se questiona sobre o conteúdo de engenharia que está contido em todo processo de produção de vinho, desde a implantação da vinha até à construção da adega, passando obviamente por todo processo produtivo nos vinhedos, o processo de vinificação, preparação, conservação/armazenamento, embalagem e expedição.
Desde tempos imemoriais os processos e o conhecimento empíricos, sempre permitiram a produção dos casos que analisaremos adiante e que são tradicionalmente consumidos nesta época festiva e produtos muito elementares e até de menor valorização comercial (à excepção dos moscatéis, que pelo contrário se têm vindo a valorizar até pelo crescente consumo por segmentos de mercado cada vez mais sofisticados). Hoje, esses produtos por razões de mercado e de regulamentação têm na sua produção exigências e padrões de qualidade que impõem a utilização do conhecimento técnico e tecnológico de engenharia.

Na tradição no final do Verão o vinho entrava em “falta”. De acordo com a forma como tinha decorrido o ano agrícola/climatérico, de uma forma genérica os estoques de vinho estavam terminados. Assim ansiava-se pela nova colheita e antes de o novo vinho estar pronto, ou seja , antes de ter concluído a fermentação malolática (consiste na transformação do ácido málico em ácido láctico com libertação de CO2 sob a forma de gás, realizada por bactérias lácticas. Ocorre após a fermentação alcoólica e deve ser a última intervenção de microrganismos no vinho, ficando microbiologicamente estável. Com a transformação do ácido málico em ácido láctico o vinho perde alguma acidez e fica mais redondo e equilibrado. Nos vinhos Verdes, nomeadamente nos vinhos brancos e mais tradicionalmente também nos tintos, esta fermentação era utlizada para criar o típico “pic” do gás em garrafa, tão apreciado pelos mais conservadores, mas que hoje é menos valorizado pelo mercado, que preferem vinhos “tranquilos”. Tendencialmente, aos olhos do enólogo, a vinificação termina quando acaba a fermentação maloláctica.) era necessário encontrar uma solução para massas vínicas de menor qualidade do ponto de vista do teor alcoólico, ou até sanitário e transformá-lo num produto consumível com qualidade aceitável. Em França era criado um vinho tinto jovem, feito para ser consumido de imediato, ou seja sem quaisquer características de envelhecimento como outros do país.
O Beaujolais nouveau é um vinho tinto produzido a partir da casta Gamay, na região francesa do mesmo nome. É o mais popular “vin de primeur”, fermentado por poucas semanas antes de ser comercializado muito próximo do S. Martinho, no dia denominado como o “Dia do Beaujolais Nouveau”. Nos anos 70 do século passado, foi objecto de grande promoção e muita competitividade entre empresas produtoras para fazer chegar as primeiras garrafas do ano, primeiro a Paris. A corrida às cadeias de distribuição espalhou-se para os países europeus vizinhos na década de 1980, seguidos pela América do Norte e na década de 1990 para a Ásia. Em 1985, a data foi mudada para a terceira quinta-feira do mês de novembro.
Para além de ser um modo de se livrarem de estoques de “vin ordinaire” (vinho comum) com bons lucros, vender o vinho logo poucas semanas após a colheita, é excelente para o fluxo de caixa.
Hoje é um fenómeno mundial com enorme sucesso, havendo vários locais a nível internacional a tentar copiá-lo.
Porque a qualidade dos nossos vinhos garante melhores margens de comercialização nos períodos normais e com o produto completamente acabado, em Portugal não temos nada similar ao Beaujolais, contudo temos a tradição da “Água-pé” da “Jeropiga” e do “Abafado” ou “Abafadinho”
Água-pé
A Água-pé é uma bebida alcoólica tradicional de Portugal, com baixo teor de álcool, resultante da adição de água ao bagaço de uva (pé de cuba com restos de vinho fermentado, grainha e película e por vezes engaço) e aguardente (vínica ou bagaceira). Trata-se de um aproveitamento em geral confeccionado de forma caseira, para consumo nos magustos e outras festividades tradicionais do período de Outono e Inverno, com maior uso nas regiões do Minho, Trás-os-Montes, Beira Interior, Ribatejo e Estremadura ( especialmente na zona saloia). Por questões legais, não está disponível para comercialização nas superfícies comerciais.
Também acompanha bem febras ou barrigas de porco na brasa ou no forno e torresmos. Serve-se á temperatura de um vinho tinto comum.
Jeropiga
Jeropiga é também uma bebida alcoólica tradicional em Portugal, preparada adicionando aguardente ao mosto para parar a fermentação, resultando uma bebida mais alcoólica que o vinho. Trata-se de mostos de menor qualidade, em que a adição de álcool os valoriza e melhora a sua condição de conservação, suprindo a falta de novo vinho para consumo.
A Jeropiga harmoniza bem frutos secos e doces encorpados e gordos, bem como com carnes gordas, torresmos (muito típico da zona saloia) ou queijos gordos mas na meia cura. Deve servir-se a uma temperatura de cerca de 12ºC.
Pode encontrar-se á venda nas superfícies comerciais.

 
Abafado
O nome vinho Abafado, ou “Abafadinho”, é aplicado aos vinhos em que a fermentação foi interrompida através da adição de aguardente vínica, permanecendo assim uma bebida doce (na medida em que o açúcar natural da uva não se transformou em álcool) e com elevado teor alcoólico. Utilizam-se mostos de qualidade média a elevada, com um carácter itenso de doçura, ainda que com diferentes graus, conforme a tipicidade da região e do produtor. O teor alcoólico situa-se entre os 17% e os 20%.
Além de acompanhar bem castanhas, era a bebida por excelência dos apreciadores dos Pastéis de Belém, com que harmoniza muito bem. Aliás, com todos os pastéis do género faz excelente harmonização, bem como com frutos secos ou pasteis gordos que não necessariamente doces. Deve servir-se a uma temperatura entre 10 a 12ºC na relação inversa do grau de doçura, ou seja, quanto mais doce mais frio.
É comercializado nas superfícies comerciais e muito consumido na Região do Oeste e particularmente na Região de Ourém /Fátima/Tomar.
Moscateis
Degustar castanhas num S. Martinho mais requintado poderá ser feito com um acompanhamento de um Moscatel. Entre os diferentes moscatéis que temos no país, destacaremos dois: Moscatel de Setúbal e Moscatel de Favaios.
Os moscatéis são vinhos fortificados ou licorosos, logo como os anteriores com a fermentação parada por adição de álcool, logo com uma graduação alcoólica acima da média para um vinho e, com condição de conservação prolongada. São vulgarmente comercializados moscatéis com mais de 50 anos. Trata-se assim, de um vinho com algum valor de mercado e para gostos refinados.
O Moscatel de Setúbal é para além de um vinho de sobremesa, também um aperitivo, pelo que o acompanha com todos os tipos de frutos secos (salgados ou não), para além das castanhas.
A sua graduação alcoólica deverá situar-se entre 17º e 18º. A cor varia do topázio claro ao topázio queimado e quando velho, ganha um inconfundível perfume. Existem dois tipos de Moscatel de Setúbal, o “Moscatel de Setúbal” e o “Roxo”, provenientes respectivamente das castas Moscatel Graúdo e Moscatel Roxo, e estão sujeitas a D.O. Setúbal. Os vinhos deverão ser elaborados com, pelo menos, 67% de mosto proveniente das referidas castas. Os Moscatéis de Setúbal diferenciam-se de outros Moscateis não só pela origem D.O. Setúbal, mas pelo seu tempo de estágio, 1,5 anos.
O Moscatel de Favaios ou de Alijó produzido na região do Douro, particularmente no Concelho de Alijó e particularmente na freguesia de Favaios, é produzido a partir da casta Moscatel Galego.
Como os restantes Moscatéis, tem a fermentação do mosto parada com adição de aguardente vínica e apresentar um título alcoolométrico volúmico mínimo de 16,5 % vol. e máximo de 22,0 % vol. O momento da paragem da fermentação ocorre um a dois dias depois de se ter iniciado, de acordo com o grau de doçura final pretendido.
O estágio poderá ser feito em cuba de inox, túnel tradicional de madeira ou em casco de carvalho (nacional, francês ou americano) ou de castanho (estas em desaparecimento).
Qualquer Moscatel dever ser bebido fresco, entre 10 a 12 º C.
Consumir junto de uma boa fogueira, de preferência de uma lareira tradicional e sempre em boa companhia.
Bom magusto.
Ótima companhia.
Excelentes Vinhos.

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