Grandes Entrevistas de Engenharia com…. Susana Serrano

Texto: Catarina Soutinho | Design: Melissa Costa | Fotografia: Miguel Pereira

Susana Serrano, Engenheira Geógrafa, é atualmente CEO da Adalberto, uma das maiores empresas da Indústria Têxtil do país, e que desenvolveu as famosas máscaras MOxAd-Tech que inativam 99% do vírus SARS-CoV-2 (Covid-19).

 
Numa altura em que muito se fala sobre que máscaras devem ser usadas no atual contexto da pandemia, fomos conversar com a engenheira Geógrafa e CEO da empresa têxtil Adalberto, sobre a Engenharia e a tecnologia que estiveram envolvidas no desenvolvimento da máscara MOxAd-Tech.
Nesta entrevista, Susana Serrano lembra que “o departamento de inovação Ad-tech (da Adalberto) começou em março (2020) a desenvolver máscaras têxteis que tivessem, pelo menos, as mesmas características de segurança das FFP2”. Depois de passar nos testes da Universidade do Minho e do Citeve, a confirmação da eficácia desta máscara chegou do Instituto de Medicina Nuclear.
Saiba todos os detalhes nesta entrevista e descubra a visão da CEO da Adalberto sobre o futuro da indústria têxtil e os desafios para os engenheiros que trabalham nesta área.

 
A Engenharia Têxtil assumiu neste contexto de pandemia um papel preponderante, nomeadamente no desenvolvimento de máscaras, batas, etc. É um momento de especial afirmação para esta área da Engenharia?
Sim, sem dúvida. Não podemos esquecer que muitas empresas se readaptaram a esta nova realidade. Estamos a falar de reengenharia dos produtos e reengenharia dos processos. Foi preciso uma capacidade de adaptação e muita resiliência para toda esta mudança, que só é possível com engenharia.
 

“O departamento de inovação Ad-tech (da Adalberto) já estava a

desenvolver tecnologias e produtos antibacterianos (…)

E em março começou a desenvolver máscaras têxteis que tivessem,

pelo menos, as mesmas características de segurança das FFP2”

 
 
A Adalberto desenvolveu a máscara MOxAd-Tech que inativa até 99% do SARS-CoV-2, responsável pela Covid-19, e mantém as características mesmo depois de 50 lavagens. Como foi o caminho até chegarem a este produto?
A Adalberto é uma empresa com 51 anos que identificou uma necessidade e viu uma oportunidade de desenvolver um produto de valor acrescentado para a empresa e para a sociedade. O departamento de inovação Ad-tech já estava a trabalhar e a desenvolver tecnologias e produtos antibacterianos, alguns dos quais tinham sido apresentados na Premiere Vision em Paris em fevereiro de 2020. Com o alastrar da pandemia a nível mundial, o departamento de desenvolvimento e inovação Ad-tech começou logo no início de março a estudar toda a legislação e as normas das máscaras descartáveis para começar a desenvolver máscaras têxteis que tivessem, pelo menos, as mesmas características de segurança das FFP2, mas que pudessem ser laváveis e que essas propriedades de segurança se mantivessem. Por essa mesma altura a Ad-tech começou também a desenvolver tecnologias que além de serem eficazes contra bactérias fossem também eficazes contra vírus encapsulados, como é o caso do SARS-CoV-2 (COVID-19).
 

Depois de vários testes no Citeve, na Universidade do Minho, entre outros,

foi apresentado o produto MoxAd-tech, ao Instituto de Medicina Molecular.

Passados dois meses e meio tivemos o resultado

de que realmente a máscara MoxAd-tech inativa o SARS-CoV-2 (COVID-19)”

 
 
E como relembra esse processo?
Foram semanas esgotantes, de muito empenho e dedicação para conseguir desenvolver, em tempo record, uma máscara que conferia a máxima segurança aos seus utilizadores e que, além disso, fosse bonita (somos uma empresa fashion e essa era uma componente importante), como veio a acontecer.  Durante o desenvolvimento percebemos que teríamos de ter um parceiro que nos ajudasse a chegar ao maior número de pessoas possível. Foi aí que apresentámos o nosso projeto à MO (Grupo Sonae) que imediatamente reconheceu a mais-valia do projeto, porque se enquadra também no seu DNA, e criou-se assim a MoxAd-tech.

Mas precisou ainda da aprovação do Instituto de Medicina Molecular. Como foi o processo?
Quando já tínhamos um produto fantástico – depois de vários testes no Citeve, na Universidade do Minho, entre outros – foi apresentado o produto MoxAd-tech, com a tecnologia que nós acreditávamos ser eficaz contra a Covid-19, ao Instituto de Medicina Molecular (IMM). Passados dois meses e meio tivemos o resultado de que realmente a máscara MoxAd-tech inativa o SARS-CoV-2 (COVID-19), tornando-se uma máscara única no mundo. Este produto trata-se de uma parceira positiva que visa em primeiro lugar a responsabilidade social, a inovação e contribuir para sustentabilidade.
 

“A Engenharia esteve em todo o processo da conceção da máscara MOxAd-Tech”

 
Qual o papel da Engenharia na conceção desta máscara? 
Para responder a esta pergunta vou explicar como é a máscara e poderão verificar como a Engenharia esteve em todo o processo. A máscara MOxAd-Tech  é uma máscara única no mercado por vários motivos. Para além do seu design confortável e elegante, é uma máscara que realmente protege as pessoas. E, mais especificamente, nesta pandemia, inativa o vírus Covid-19, já comprovado pelo IMM, através de um método de ensaio, baseado em norma internacional. Trata-se uma máscara que cumpre os requisitos legais para certificação nos países de Portugal, Espanha e França. Cumpre também os requisitos da normativa europeia criada para a construção da máscara, CWA 17555:2020. No que diz respeito à retenção de partículas tivemos excelentes resultados 100% em França, respirabilidade 230Pa, quando o mínimo aceitável é 100Pa, isto tudo após 50 lavagens.

“Trata-se uma máscara que cumpre os requisitos legais para certificação (…) 

Desde o início foi nossa preocupação que a máscara fosse 100% segura para utilizador

e que fosse uma tecnologia que não fizesse libertação de partículas.

 
A máscara possui várias camadas de proteção. A camada exterior possui repelência à água, uma vez que o vírus se transporta em gotículas de água. Com esta tecnologia as gotículas não se fixam à máscara, acabando por cair por ação mecânica ou da gravidade. Além disso, nesta camada também temos o antivírico, que inativa a Covid-19 a 99,7% e também um antimicrobiano de alta eficácia.  Depois temos, no meio da máscara, um filtro de alta retenção de partículas. Na camada interior temos mais uma camada de antivírico e uma gestão de humidade de alta eficácia, para aumentar o conforto do utilizador e evitar que a máscara fique molhada. Temos também um antimicrobiano para a gestão de odor, para ter sempre uma máscara fresca e limpa. A tecnologia que usamos é biodegradável, isenta de metais pesados. Foi a primeira a ser certificada pela OEKO-TEX. Assim todos os compostos não são prejudiciais nem ao consumidor nem ao meio ambiente. Desde o início foi nossa preocupação que a máscara fosse 100% segura para o utilizador e que fosse uma tecnologia que não fizesse libertação de partículas.

Que impacto tem para uma empresa desenvolver uma máscara destas no contexto que vivemos?
Antes de mais a empresa tem de ser resiliente e não ser resistente à mudança. É preciso foco e gerir de uma forma muito assertiva. A comunicação é fundamental para garantir a mensagem sem ruídos e muito espírito de equipa. Depois é só aplicar o Know-how, que no nosso caso é muito grande. A Engenharia Têxtil vai iniciar um novo ciclo. Hoje para estar no mercado, não basta só fazer uns tecidos bonitos e ter preço.
 
Internacionalmente esta máscara tem sido citada em muitas publicações. Como tem sido esta projeção internacional e também nacional?
A Adalberto fez uma grande parceria como Grupo Sonae, mais especificamente com a MO (Sonae Fashion) que nos permitiu chegar a um grande número de cidadãos em Portugal. Exportámos para vários países onde já estávamos presentes, como Espanha, França, Reino Unido, Polónia e Ucrânia.
 

“Hoje para estar no mercado, não basta só fazer uns tecidos bonitos e ter preço.

O consumidor está mais exigente e a indústria terá de se adaptar.”

 
O Vale do Ave tem um histórico no que diz respeito à indústria têxtil. Com os canais comerciais com a China, Europa e Países Africanos mais fechados devido ao vírus, acha que há aqui uma janela de oportunidade para a revitalização do têxtil?
Sim, sem dúvida, até porque cada vez mais, a relação de proximidade para uma capacidade de resposta mais rápida, encurtando lead-times, e a produção de quantidades menores é uma necessidade. Estes fatores irão certamente ser uma oportunidade na indústria têxtil.
 

“São as “engenharias” que terão obrigatoriamente de se adaptar à nova Era Têxtil”

Para sermos mais competitivos temos de ser, acima de tudo,

diferenciadores e acrescentar o fator: inovação!

 
Como vê o futuro da Engenharia Têxtil. Quais vão ser os materiais têxteis que vão marcar o século XXI?
A Engenharia Têxtil vai iniciar um novo ciclo. Hoje para estar no mercado, não basta só fazer uns tecidos bonitos e ter preço. O consumidor está mais exigente e a indústria terá de se adaptar. Assuntos como sustentabilidade, economia circular, inovação, inteligência artificial, modelação 3D, são fatores de diferenciação e de valor acrescentado que o têxtil tem de saber “fazer”.  Têxteis técnicos, têxteis biodegradáveis, rastreabilidade de cadeia de valor, QR Code, RFID, entre outros, são as “engenharias” que terão obrigatoriamente de se adaptar à nova Era Têxtil.

 
De que forma pode a indústria têxtil portuguesa ser mais competitiva e consequentemente mais rentável?
Para sermos mais competitivos temos de ser acima de tudo diferenciadores e acrescentar, não só ao nosso produto, como aos nossos processos, o fator: inovação! Temos de criar valor e crescer sustentadamente com o auxílio de uma estratégia bem definida, objetivos ambiciosos, mas concretizáveis e associar KPI´s de monitorização e acompanhamento. Para isto são necessárias: uma boa liderança e uma equipa alinhada.
 

“Senti durante os meus primeiros 10 anos (de trabalho) que tinha de me esforçar

mais do que homens para ter as mesmas oportunidades, principalmente de liderança.”

 

A Susana é CEO de uma das maiores empresas têxteis do país. Enquanto mulher, que desafios se colocam diariamente?
Neste momento da minha vida profissional estes desafios já foram ultrapassados, mas há 20 anos, quando iniciei o meu percurso profissional na construção, foi difícil. Senti durante os meus primeiros 10 anos que tinha de me esforçar mais do que homens para ter as mesmas oportunidades, principalmente de liderança. Mas a vontade e a experiência, mostraram, que apenas se tratava de uma desigualdade sem razão. A partir do momento em que conseguimos os mesmos ou até melhores resultados, passam a ver-nos como um recurso de valor acrescentado e em determinada altura o género deixa de ser importante. Também o facto de eu trabalhar com paixão nos meus projetos ajuda a que tudo seja mais fácil. Adoro trabalhar, adoro trabalhar com pessoas, ter objetivos, estratégia, estrutura. Ajuda-me a realizar as minhas conquistas como profissional.

Que estereótipos ainda existem relativamente às mulheres na Engenharia?
Acho que o que se identifica mais é o facto de as mulheres serem mães, e de se criar um mito em volta desta situação, as consultas, o apoio aos filhos, as licenças de maternidade, etc. Mas isto depende muito de duas situações: a entidade patronal e da colaboradora. Eu própria tenho duas filhas, e sempre soube as minhas responsabilidades na empresa, sem nunca a prejudicar e a entidade patronal sempre me proporcionou livre horário nos casos em que necessitei. É necessário empenho de ambas as partes.

“A Ordem dos Engenheiros pode ajudar de várias formas,

por exemplo, criar comités de inovação ou de sustentabilidade

para que haja troca de experiências e alinhar a indústria dentro de cada setor.”

 
Qual acha ser ou qual deveria ser o papel da Ordem na vida profissional dos engenheiros?
A Ordem dos Engenheiros pode ajudar de várias formas, por exemplo, criar comités de inovação ou de sustentabilidade para que haja troca de experiências e alinhar a Indústria dentro de cada setor. Criar Web conferências com assuntos da atualidade, ou direcionados a cada área. Fazer parcerias com empresas com o objetivo de ajudar e apoiar, principalmente os jovens engenheiros a perceberem como se posicionarem nas empresas e direcioná-los, etc. Apenas alguns exemplos.

Quais os maiores desafios dos engenheiros neste século?
Resiliência e adaptação.
 
Há Engenharia em tudo o que há? Explique. 
Claramente, a Engenharia é por si só uma arte de pesquisa e desenvolvimento, logo são dois fatores que todos têm de ter para ter sucesso. Hoje nada é um dado adquirido, logo a capacidade de fazer mais, melhor e inovador cabe à Engenharia.

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