Chegou a Portugal com o marido há 22 anos. Um caminho que se fez de perseverança, mas que lhe confere a experiência para que possa deixar alguns conselhos aos engenheiros ucranianos que possam chegar a Portugal nos próximos tempos. Conheça melhor a Engenheira Civil ucraniana, Galyna Gavrysh.
Para quem não a conhece, fale-nos um pouco do seu percurso para podermos contextualizar os leitores.
O meu marido e eu decidimos emigrar em 1995, na sequência da abertura de arquivos da KGB quando as pessoas puderam finalmente descobrir os terríveis acontecimentos de nossa história. Estamos muito agradecidos a Sr. Gorbachev, que hoje faz 91 anos, que acabou com USSR e abriu as fronteiras para os cidadãos comuns. Cumpre referir que nessa altura lemos sobre o plano de Andropov, que supostamente previa o fim da União Soviética e posterior ressuscitar da USSR, isso foi dos nossos principais medos, de não conseguirmos fugir antes de voltar a cortina de ferro. O processo de coleta das informações e todo o procedimento relativo a imigração levou algum tempo. Assim, só em 2000 o meu marido Valeriy pôde emigrar para Portugal. Ele chegou ao Portugal com um visto turístico de três meses em junho de 2000, encontrou trabalho como servente nas obras, porque não tinha conhecimento da língua portuguesa e teve que trabalhar nesta função cerca de meio ano. Em fevereiro de 2001 ele conseguiu solicitar a legalização do contrato de trabalho de técnico de Engenharia que tinha encontrado. Cumpre referir que o meu marido fez PhD em Moscovo e esse diploma permitiu que o empregador na altura lhe desse essa oportunidade de deixar de ser trolha. Depois em dezembro de 2001, através de visto de reunião familiar imigrei com os meus dois filhos.
Foi ainda um processo moroso…
Por forma a explicar um pouco o nosso percurso de equivalências de diplomas, é de frisar que o processo de comprovação das nossas habilitações académicas e aprovação da equivalência dos diplomas não foi fácil, tendo terminado somente em 2009. De 2003 até o presente, o meu marido trabalha como projetista no GOP, Lda. De 2004 a 2019, eu também trabalhei no GOP, Lda. Após a cessação de meu posto de trabalho, consegui montar a minha própria empresa e trabalho por conta própria, tenho neste momento vários clientes
“Há muito que pode ser feito para ajudar os engenheiros refugiados vindos da Ucrânia”
Enquanto Engenheira que conselhos pode dar aos colegas que possam chegar agora a Portugal?
Eu neste momento estou bem, sempre interessada em novos clientes é claro, por isso se houver interesse em trabalhar comigo ficarei muito grata. Por outro lado, neste momento há muito que pode ser feito para ajudar os engenheiros refugiados vindos da Ucrânia.
Como por exemplo?
Em primeiro lugar, esses profissionais precisam de perceber os procedimentos para fazer a equivalência dos seus diplomas, para tal a Ordem dos Engenheiros em conjunto com as faculdades de Engenharia do país poderiam criar um manual com etapas que a pessoa tem que percorrer.
Em segundo lugar, seria útil organizar workshops e formações para convergência entre as formas/metodologias de trabalho, que acredito que possam existir mesmo em termos de ferramentas informáticas e programas usados.
Em terceiro lugar, seria bom se houvesse um espaço de partilha de experiências de profissionais ucranianos que já passaram por esse caminho e já exercem a Engenharia Civil no solo português.
“Os ucranianos por norma não querem ser refugiados a receber subsídios, querem trabalhar e contribuir para a economia portuguesa”
Ainda há colegas que não sabem como podem reconhecer os seus diplomas…
Até agora encontram-se pessoas que vivem aqui e ainda não sabem onde e como solicitar o reconhecimento dos seus diplomas. Acredito que isso é um subaproveitamento de recursos humanos, visto que engenheiros e arquitetos trabalham nos trabalhos pouco qualificados precisamente por causa da falta de informação. É possível fazer um apelo a todos os colegas empreendedores sobre a possibilidade de oferecer empregos para especialistas ucranianos que saibam inglês, espanhol. Não precisa ser exatamente como engenheiros, poderá ser em funções de desenhadores, medidores etc., para que as pessoas se possam integrar, aprender português, construir sua vida profissional para si e para as suas famílias. Devo sublinhar que os ucranianos por norma não querem ser refugiados a receber subsídios, querem trabalhar e contribuir para a economia portuguesa e acho que essa aspiração deverá ser de todas formas apoiada. Por último, não posso deixar de relembrar que o estudo do idioma é de grande importância, por isso sem dúvida deverá existir uma vasta oferta de cursos de língua portuguesa para a mais rápida integração. Se considerarem que posso ser útil nessa iniciativa agradeço que contem comigo e com os meus familiares.
“Quero expressar a minha gratidão sem limites a todos vocês, colegas e a todos os portugueses pelo incrível apoio à Ucrânia”
Como tem sentido o apoio dos portugueses neste momento tão particular?
Aproveitando o momento desta entrevista, quero expressar a minha gratidão sem limites a todos vocês, colegas e a todos os portugueses pelo incrível apoio à Ucrânia, o seu povo, neste período difícil para a minha pátria. Recebo muitas propostas com ofertas de ajuda, simpatia, perguntas informais sobre uma situação específica com pessoas próximas a mim. Colegas, ex-colegas, conhecidos, amigos ligam, pessoas abrem suas portas, carteiras e corações. Estou feliz que minha nova pátria seja Portugal, vocês são uma grande nação.
“Portugal é um país de oportunidades para todos desde que haja esforço e trabalho“
Alguma mensagem que queira deixar a todos os que vão ler esta entrevista?
Sim, eu gostaria de motivar os ucranianos que estão cá ou que vêm para cá no futuro próximo, e que estejam ainda na luta pelo seu futuro profissional. Portugal é um país de oportunidades para todos desde que haja esforço e trabalho, nunca me senti discriminada ou rebaixada nas oportunidades educacionais ou profissionais nem no meu caso específico, nem no caso dos meus filhos. Por isso o meu apelo é não desistam, procurem e lutem, estão no solo fértil que dá fruto.