O Conselho Regional de Colégio de Engenharia do Ambiente Norte convidou Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara Municipal do Porto para uma Grande Entrevista de Engenharia
Nunca as nossas cidades, o nosso território e as nossas vidas estiveram tão condicionadas pelos fatores que influenciam a sustentabilidade económica social e ambiental da sociedade em que vivemos. Ainda assim, haverá um futuro por desenhar e promover simbioses em prol do bem-estar geral do cidadão. A Engenharia do Ambiente terá o seu papel neste palco de ação. Para Filipe Araújo, “a Ordem dos Engenheiros desempenha um papel fundamental neste processo de mudança. O papel dos Engenheiros é de extrema importância no desenvolvimento de novas tecnologias e abordagens que nos ajudem a lidar com os desafios que enfrentamos atualmente, e neste particular, os Engenheiros do Ambiente têm um papel específico e importante, pois possuem conhecimentos e ferramentas sólidas que nos ajudam a lidar com os desafios ambientais e contribuir para soluções efetivamente mais sustentáveis.”
Por: Mercês Ferreira, Coordenadora do Conselho Regional de Colégio de Engenharia do Ambiente Norte
MF: Certamente que se recorda do primeiro dia em que aceitou o cargo para assumir este pelouro tão desafiante do Ambiente e Transição Climática, Inovação e Transição digital. Desde que ingressou na atividade autárquica no município do Porto, o ambiente tem tido um lugar central na estratégia de atuação municipal. Qual foi a sua motivação para aceitar este pelouro e transformar a área do ambiente numa das principais prioridades deste município?
FA: A minha motivação para assumir estas áreas tão desafiantes do Ambiente e Transição Climática, Inovação e Transição digital no município do Porto decorre da minha convicção pessoal de que é necessário agir de forma decisiva e urgente para enfrentar os desafios ambientais e digitais que hoje enfrentamos. Desde o início da minha atividade autárquica, percebi que o ambiente deveria ocupar um lugar central na estratégia de futuro do Município. A proteção do meio ambiente e a transição para uma economia sustentável e mais circular é fundamental para o bem-estar das pessoas, para a preservação da cidade e para o desenvolvimento económico a longo prazo. O Porto tem assumido a qualidade de vida dos seus cidadãos como absolutamente estratégica e o trabalho nestas áreas é fundamental. Assumir a tutela destes temas no Porto permitiu-me contribuir positivamente para tornar a minha cidade, uma cidade mais verde, resiliente e inovadora.
MF: A Comissão Europeia tem em curso o Pacto Ecológico com uma estratégia de crescimento sustentável que, por meio de investimentos em tecnologias verdes, pretende transformar a Europa numa sociedade mais justa e próspera. Neste âmbito, que papel desempenham os Municípios como o Porto, para atingir este desígnio?
FA: O Porto desempenha um papel crucial na concretização dos objetivos do Pacto Ecológico Europeu porque permite a tradução concreta no dia-a-dia das pessoas das ambições estratégicas europeias. Ora, vejamos. Quem vive os municípios e os governa são quem tem o conhecimento mais aprofundado do território, das suas comunidades locais e, por força disso, das suas necessidades e dos seus desafios específicos. Para lá disso, são os governos locais que estão mais próximos dos cidadãos e que conseguem, por isso, implementar medidas e políticas a nível local mais orientadas à sustentabilidade concreta uma vez que existem especificidades que merecem e devem ser atendidas a cada momento, em cada local específico. É a tradução concreta da conhecida máxima de “pensar global, atuar local”.
Mas para lá disso, seja no âmbito da sustentabilidade, da descarbonização ou ainda noutras matérias, não podemos cair no erro de olhar o território como uma ilha isolada. É importante que possamos colaborar, desenhar e implementar políticas a uma escala mais abrangente, nomeadamente pensando em escalas supramunicipais e muitas vezes de geometria variável. É o que acontece com o Porto e a sua participação na LIPOR (num total de 8 municípios), ou a participação do Porto na STCP (num total de 6 municípios) ou até pensando no Porto e na participação na Agência de Energia do Porto (num total de 10 municípios e em conjunto com entidades privadas). Não podemos é ficar exclusivamente dependentes das diretrizes centralizadas da capital em tópicos onde o poder local tem experiência, tem capacidade e onde muitas vezes já lidera pelo exemplo, fazendo mais e fazendo melhor.
No caso do Porto, temos vindo a desenvolver uma série de projetos e iniciativas que visam promover a sustentabilidade ambiental e a inovação. Isso inclui investimentos em energias renováveis (com especial destaque para o solar), eficiência energética, mobilidade sustentável, regeneração urbana ou economia circular. Além disso, os Municípios têm um papel importante na sensibilização e envolvimento dos cidadãos na transição climática. O Porto tem procurado apostar de forma assertiva no transporte público, procurando reduzir a dependência dos automóveis particulares e na expansão dos transportes, onde assistimos a avultados investimentos, nas novas linhas de metro, no BRT e mesmo na renovação da frota de autocarros. Adicionalmente, um bom exemplo de política é a gratuitidade dos transportes públicos para todas as crianças e jovens até aos 18 anos, um investimento municipal que tem retorno imediato para as famílias e que influencia decisivamente os comportamentos das novas gerações.
Mas há mais: no campo da energia, o Município tem realizado ações decisivas como a aquisição de energia elétrica de origem renovável certificada para todos os usos municipais, a substituição integral em curso da iluminação pública para 100% lâmpadas LED ou a instalação painéis fotovoltaicos nas coberturas de edifícios municipais. Estas são iniciativas que demonstram bem o compromisso existente com a transição energética da nossa cidade.
MF: Quais são hoje os grandes projetos estruturantes e de regeneração urbana em curso ou previstos para o município do Porto? Pode falar-nos um pouco mais sobre eles? Em que medida estes projetos podem gerar uma maior atratividade e captação de investimento para o município?
FA: O Município do Porto está empenhado em projetos estruturantes e de regeneração urbana que impulsionem o desenvolvimento da cidade e consigam contribuir para a melhoria da qualidade de vida, elemento diferenciador na atratividade do Porto. Numa cidade de condições geográficas ímpares, clima ameno, banhada pelo Oceano e delimitada pelo Rio Douro, pretendemos contribuir para uma maior qualidade de vida aumentando a área verde disponível; melhorando o transporte público, partilhado e de zero emissões; promovendo a mobilidade suave e ativa e ainda reduzir os efeitos das alterações climáticas no território apostando na descarbonização.
Tem sido enorme o investimento na expansão e requalificação dos espaços verdes, procurando duplicar os espaços verdes disponíveis, como preconizado no PDM e mantendo os existentes com qualidade para fruição. A requalificação do Rio Tinto e a expansão do Parque Oriental, a construção do Parque Central da Asprela, a conclusão do Parque da Cidade, o enquadramento do novo Terminal Intermodal de Campanhã que é hoje um grande parque, a requalificação e expansão do Parque de S. Roque demonstram bem a capacidade de execução existente e abrem caminho aos novos projetos, tais como o Parque da Alameda de Cartes ou o Parque da Lapa, este último em parceria com agentes privados.
A melhoria do transporte público tem uma importância singular. Neste particular, destacaria a renovação da frota de autocarros da STCP que culminará com o fim do diesel nestes veículos até 2027 e 40% de eletrificação. Também a expansão da rede de metro é determinante neste capítulo: a Linha Rosa, atualmente em construção entre a Boavista e a Baixa da cidade, e o arranque da Linha Rubi, entre Santo Ovídio e Casa da Música, são investimentos decisivos para a mobilidade na cidade do Porto e aumentarão a capacidade de resposta do transporte público. A juntar a estes investimentos, também o Bus Rapid Transit (BRT) que percorrerá toda a Avenida da Boavista e a Marechal Gomes da Costa é uma novidade na cidade que estou em crer será importante na ambição de descarbonização da cidade.
Estes projetos estruturantes têm o potencial de tornar o Porto mais atrativo, proporcionar uma maior qualidade de vida para os residentes, criando um ambiente mais sustentável. Uma cidade com espaços verdes de qualidade e com uma rede de transporte público eficiente é capaz de reduzir distâncias na cidade, proporcionar maior qualidade de vida e assim elevar a competitividade de cidade na atração de empresas, emprego qualificado e retenção de talento.
MF: Um dos projetos recentes com maior relevo no município foi o desenvolvimento do Pacto do Porto para o Clima, no qual antecipa a neutralidade carbónica do município para 2030. Em que se traduz este pacto, em termos da gestão e desafios ambientais do município, considerando o atual contexto climático?
FA: O Pacto do Porto para o Clima surge como instrumento fundamental para assegurar o cumprimento dos ambiciosos objetivos climáticos da cidade do Porto, uma vez tomada a decisão de antecipar a neutralidade carbónica da cidade para 2030. De facto, o Município do Porto (no conjunto dos serviços e ativos da Câmara Municipal do Porto e das suas empresas municipais) tem tido um papel sistemático e ambicioso na descarbonização da cidade, mas limitado, já que os ativos municipais apenas representam 6% das emissões totais de gases de efeito de estufa na cidade. A maioria das emissões provém dos setores dos edifícios, residencial e de serviços (cerca de 50%) e dos transportes (cerca de 40%) e como tal há a necessidade de envolver mais agentes no caminho rumo à neutralidade carbónica, pois este é um compromisso ambicioso, exigente e coletivo e cujos resultados exigem ações concretas levadas a cabo por todos os atores, independentemente da sua dimensão, da sua ação prévia ou personalidade jurídica. Isto implica o envolvimento ativo de toda a sociedade civil, instituições públicas, privadas, a academia e mesmo o cidadão comum. O Município do Porto acredita que uma visão e meta comuns para a descarbonização podem contribuir para que todos os atores caminhem no mesmo sentido, tendo em vista o cumprimento de um desígnio comum. Por isso, com o Pacto do Porto para o Clima pretendemos despertar a ação dos cidadãos e organizações e criar uma grande comunidade de aprendizagem, partilha e apoio mútuo, capaz de reduzir as emissões de carbono, proteger o meio ambiente e promover a resiliência da cidade face às alterações climáticas.
MF: Um dos pontos-chave deste Pacto do Clima e que tem sido amplamente potenciado é o envolvimento e a adesão de diferentes “stakeholders” locais. Na sua opinião, qual a importância que estes possuem no cumprimento das metas definidas a nível da estratégia de sustentabilidade municipal? Como está a ser conduzido pelo município e entidades envolvidas, todo este processo? E como se assegura que o aumento de subscritores se traduz num esforço conjunto e coordenado das ações necessárias para se atingir a neutralidade carbónica até 2030?
FA: O Pacto do Porto para o Clima pretende que o Porto seja a cidade líder, a nível nacional, na ação climática, antecipando a neutralidade carbónica. Como disse, não há qualquer possibilidade de o Porto conseguir cumprir a ambição sem que para tal exista um alinhamento grande entre todos os agentes da cidade, com financiamento relevante do Governo e das instituições europeias.
Nesta perspetiva, o envolvimento e a adesão de diferentes parceiros locais é de extrema importância para alcançar as metas definidas, porque o impacto de cada entidade contribui para o todo global. Hoje, o Pacto tem mais de 210 subscritores institucionais e centenas de subscritores individuais, num número que continua a crescer dia após dia. E isto acontece porque as preocupações das organizações, das empresas e dos cidadãos também crescem dia após dia, porque todos estão cada vez mais conscientes da imperiosa necessidade de reduzir as emissões para mitigar os efeitos das alterações climáticas.
Neste momento, o esforço do Município está alinhado com a atualização do Plano Municipal de Ação Climática tendo em vista materializar uma planificação mais detalhada do caminho a seguir até 2030. Também a elaboração e construção do Contrato de Cidade Climática, compromisso que decorre da Missão Cidades para a qual o Porto foi escolhido pela Comissão Europeia, necessita de conjugar os compromissos dos diversos atores da cidade com um plano de ação e de investimentos concreto para atingir a neutralidade carbónica até 2030.
O Município tem estado em contacto e colaboração com diferentes atores, alinhando expectativas e promovendo sessões que têm em vista pensar, refletir e discutir sobre o futuro da cidade, numa perspetiva de alinhamento nos temas da sustentabilidade, da descarbonização e da neutralidade carbónica em 2030, em linha com o objetivo do Pacto do Porto para o Clima.
MF: O Porto foi selecionado, a par de Guimarães e Lisboa, como uma das 100 cidades inteligentes e neutras em termos de clima até 2030 da União Europeia, numa ‘Missão Cidades’. Ao nível da sustentabilidade e ambiente, o que significa esta distinção e desafio para o município? De que forma se propõem responder a este desafio? Que balanço faz deste processo?
FA: A seleção do Porto neste restrito lote de 100 cidades mostra-nos, por um lado, que o caminho trilhado até então tinha sido já merecedor de reconhecimento e coloca-nos, por outro, num patamar elevado de ambição. Ao mesmo tempo vem dar-nos um impulso adicional e, estamos em crer, a possibilidade de aumentar os recursos disponíveis para transformar a ambição em realidade.
Repare-se que ambição da neutralidade carbónica até 2030 é comum à Missão Cidades e ao Pacto do Porto para o Clima. Elas são iniciativas que comungam desta complementaridade e impelem a um envolvimento da comunidade – organizações públicas, privadas e cidadãos – na resposta à crise climática.
No Porto, criámos uma equipa dedicada a este desafio que tutelo diretamente, tendo em vista ter uma abordagem multidisciplinar, com uma visão integrada e holística da sustentabilidade dentro da esfera municipal e conjugada com os diversos stakeholders que todos os dias juntamos ao desafio. Temos um balanço muito positivo em termos de adesão e estou convicto que estamos entre as cidades mais ambiciosas e empenhadas a nível europeu.
MF: Face aos novos desafios atuais, em particular na área do ambiente e da sustentabilidade, considera que a descentralização em curso vai ter um impacto positivo para a implementação do novo paradigma de desenvolvimento sustentável que se exige a nível municipal? Acha que o atual modelo de governação local deve ser melhorado ou revisto? Quais são os obstáculos que persistem?
FA: O princípio da subsidiariedade é muito importante e mostra-nos que, em muitas áreas, o poder local pode ser mais competente a atuar do que o Governo nacional pois conhece as especificidades da população e do território. A política one size fits all, mesmo num país relativamente pequeno como o nosso, em muitos casos não se ajusta, pois, trata por igual aquilo que muitas vezes é diferente. Não tenho dúvida nenhuma em afirmar que falta em Portugal um nível de governação intermédio ao nível regional que fosse capaz de coordenar algumas políticas, especialmente em matérias onde as fronteiras municipais espartilham demasiado o território. Por exemplo, na área da mobilidade, em múltiplas áreas do ambiente, em termos de organização territorial, entre outras que têm sido colmatadas, de alguma forma, pela agregação voluntária à escala supramunicipal e de geometria variável de que já falei.
No atual enquadramento, a descentralização que está a ser feita parece-me ser um passo no sentido certo, mas a sua gestão tem sido muito débil, atabalhoada e desorganizada. Para lá de que, em teoria, pretende dar maiores competências, autonomia e capacidade de ação aos Municípios, mas na prática descentraliza tarefas (como a manutenção de edificado, a limpeza, os arranjos) com a agravante de passar as responsabilidades que não são acompanhadas do correspondente envelope financeiro, o que gera uma pressão muito grande nos recursos municipais. Há muito espaço para que o atual modelo seja revisto e melhorado e o que me parece é que seria necessária uma reforma de fundo que julgo que os nossos governantes não querem fazer.
Até lá, os modelos virtuosos para ultrapassar em conjunto alguns dos desafios das alterações climáticas vão continuar a depender da ação dos Municípios e não vejo mal nisso, mas torna-se imperativo que exista uma colaboração e coordenação entre os diferentes níveis de governação, o envolvimento dos cidadãos e dos atores locais na tomada de decisões e na implementação de medidas sustentáveis e estruturais neste momento de particular relevância para a sobrevivência da espécie humana.
MF: Vivemos um período conturbado. Os jovens alertam para a emergência climática ao mesmo tempo que responsabilizam os governos pela inércia em defesa da sustentabilidade do planeta. Em seu entender a transição energética e digital, é também um choque de gerações?
FA: A transição energética e digital não deve ser encarada como um choque de gerações, mas sim como um desafio que requer a colaboração e o envolvimento de todas as gerações. É verdade que os jovens têm sido, e bem, os protagonistas nos apelos à ação climática, trazendo maior consciência sobre a emergência climática e pressionando os governos e outros atores para agir. No entanto, é necessário que todas as gerações de todas as classes políticas se unam e trabalhem em conjunto para enfrentar os desafios ambientais e climáticos e em conjunto promovam esta transição urgente para uma sociedade mais sustentável. Como há urgência na ação não podemos aceitar que haja delegação de responsabilidades em qualquer geração, todos temos de agir.
A transição energética e digital traz oportunidades significativas para melhorar a qualidade de vida das pessoas e promover um desenvolvimento sustentável. É importante que todas as pessoas, sem exceção, sejam envolvidas e tenham acesso à informação, novas tecnologias e às oportunidades existentes, pois não podemos deixar ninguém para trás neste processo. É fundamental que as decisões tenham em conta as necessidades e preocupações das diferentes gerações e classes sociais, garantindo assim uma transição justa e inclusiva.
MF: A tecnologia digital está a transformar a vida das pessoas. A estratégia digital da UE pretende fazer com que esta transformação traga benefícios tanto para as pessoas como para as empresas e contribua, simultaneamente, para que a UE possa alcançar o seu objetivo de uma Europa com um impacto neutro no clima até 2050. Qual é o papel dos responsáveis políticos na gestão desta mudança?
FA: A tecnologia desempenha um papel fundamental na transição. É inegável que numa era cada vez mais digital e conectada, a tecnologia e os dados, a informação e o conhecimento que deles advém desempenham um papel crucial na abordagem aos desafios existentes, seja na gestão das cidades, seja na definição de estratégias e políticas públicas capazes de ajudar a solucionar os problemas dos cidadãos.
Creio que o papel dos responsáveis políticos deve ser criar um ambiente propício à inovação e à adoção de novas tecnologias através das políticas, regulamentações e incentivos adequados. De facto, nós podemos e devemos promover a colaboração entre o setor público, o setor privado, a academia e a sociedade civil, estimulando a criação de parcerias e o desenvolvimento de soluções conjuntas, e é essa a minha preocupação diária, juntar o conhecimento e os dados às decisões que diariamente tomo.
É muito importante ressalvar que temos uma responsabilidade acrescida de garantir que a transformação digital beneficie todas as pessoas e empresas, evitando a criação de divisões e desigualdades digitais. Devem ser implementadas medidas para capacitar e formar as pessoas, especialmente as mais vulneráveis, para que possam tirar partido das oportunidades oferecidas pela transformação digital, não deixando ninguém para trás e apoiando a transição. Exemplo disso é o projeto europeu em que estamos envolvidos, CommuniCity, que consiste na criação de um laboratório vivo onde possam ser desenvolvidas soluções para o incremento da qualidade de vida de comunidades e facilitem a sua ligação à cidade, contribuindo para a sua inclusão e sustentabilidade.
MF: Qual a sua perceção sobre o papel que a Ordem dos Engenheiros deve desempenhar neste processo de mudança? E em particular, os Engenheiros do Ambiente, podem ou não ser a força motriz do desenvolvimento sustentável a nível local e municipal?
FA: A Ordem dos Engenheiros desempenha um papel fundamental neste processo de mudança. O papel dos Engenheiros é de extrema importância no desenvolvimento de novas tecnologias e abordagens que nos ajudem a lidar com os desafios que enfrentamos atualmente, e neste particular, os Engenheiros do Ambiente têm um papel específico e importante, pois possuem conhecimentos e ferramentas sólidas que nos ajudam a lidar com os desafios ambientais e contribuir para soluções efetivamente mais sustentáveis.
A Engenharia tem demonstrado ser uma das forças motrizes da sustentabilidade através da aplicação dos conhecimentos técnicos e científicos para projetar e implementar soluções ambientais inovadoras. E socorro-me aqui de alguns exemplos na medida em que é importante a sua presença em diversos projetos desde muito cedo, nomeadamente na conceção de soluções de base natural (NBS), como disso é exemplo o novo Parque da Asprela, projetado com o objetivo de contribuir para redução do risco de inundações, em particular da rede de Metro do Porto. Neste parque que é também uma ferramenta poderosa de adaptação às alterações climáticas, a solução desenvolvida permite que, em períodos de chuvas muito intensas, o espaço se torne numa grande bacia de retenção, com capacidade para 10 mil metros cúbicos de águas pluviais. A marca da Engenharia podemos também vê-la noutros projetos tais como o desenvolvimento de estratégias de gestão de resíduos sólidos urbanos, em processos de valorização desses resíduos, em aplicabilidade de soluções de economia circular entre tantos outros que contribuem de sobremaneira para uma cidade do Porto mais sustentável e circular.
É importante que a Ordem dos Engenheiros apoie e promova a formação contínua dos seus membros na área da sustentabilidade e que estabeleça diretrizes e padrões éticos para a atuação dos Engenheiros. O papel que a Ordem tem realizado ao fomentar a colaboração entre engenheiros, cientistas, decisores políticos e outros profissionais para enfrentar os desafios ambientais de forma integrada, tem-se demonstrado profícua e benéfica para a cidade e em última instância para todos os que nela vivem.
MF: O ano passado celebrou-se o 50º aniversário da Conferência de Estocolmo e da instauração do Dia Mundial do Ambiente. Comemoramos recentemente mais um 5 de junho, Dia Mundial do Ambiente. Atualmente, qual é o seu maior desafio enquanto governante com a responsabilidade das políticas ambientais para a cidade do Porto? Como gostaria que fosse a cidade do Porto daqui a 50 anos em matéria de ambiente?
FA: Atualmente, o maior desafio que estabelecemos é atingir a neutralidade carbónica da cidade até 2030. De facto, trabalhar na descarbonização da cidade e aumentar a capacidade de sequestro de carbono do território são áreas fundamentais para este desígnio e têm uma abrangência extraordinária porque impactam diretamente com as áreas da energia, da eficiência energética, da mobilidade, do sistema alimentar, da construção, da distribuição de água, da recolha e tratamento dos resíduos, da criação de mais espaços verdes e plantação de mais árvores, entre outros. Todas estas áreas de ação são determinantes para uma cidade mais circular e neutra em carbono. Os objetivos traçados não são fáceis. É necessário adotar uma abordagem que permita envolver diferentes áreas e diferentes stakeholders focados na redução das emissões de carbono, na promoção da mobilidade sustentável, na preservação da biodiversidade, na gestão eficiente dos recursos na sensibilização da população para a importância da sustentabilidade da nossa cidade e da nossa região. Mas, estou confiante de que estamos no caminho certo e que a cidade continuará a mobilizar-se por este desígnio de futuro. É essa cidade que ambiciono daqui a 50 anos. Uma cidade que se continue a distinguir pela qualidade de vida e que seja farol exemplo de boas práticas e ambição.
MF: O que o cidadão Filipe Araújo sente que trouxe ao Porto na área ambiental e o que recebeu em troca? Quais os seus principais objetivos e desafios pessoais para a próxima década?
FA: Neste aspeto gostaria de falar de uma forma abrangente porque na ação política não estamos sozinhos. O que construímos, seja material ou imaterial, é o resultado de um trabalho enorme, muitas vezes invisível, feito por muitas pessoas e por equipas muito competentes. Coube-me a mim, por confiança do Presidente Rui Moreira e pelo voto dos portuenses, ser muitas vezes o rosto visível na área do ambiente, da inovação e da ação climática. E, de facto, estou convencido de que o Porto onde vivemos hoje é melhor do que aquele que conhecemos em 2013, quando iniciámos funções executivas na Câmara Municipal do Porto.
Na área ambiental, sinto que a sustentabilidade e o ambiente são prioridades, não só pela ação do Município, mas também pela exigência crescente dos portuenses que estão cada vez mais conscientes dos desafios climáticos da cidade e do país. Dentro do universo municipal vejo uma cada vez maior colaboração entre áreas, fruto de um trabalho de contínua quebra de silos e de promoção do trabalho em conjunto que é fundamental para ultrapassar problemas e resolver assuntos que exigem uma visão holística e integrada da cidade.
Também vejo com satisfação que a colaboração entre entidades diferentes na cidade é hoje possível e dá frutos. Um exemplo concreto é o Parque da Asprela, resultado da colaboração da Câmara Municipal, da Universidade do Porto e do Politécnico do Porto. Este alinhamento de vontades em prol do bem comum faz do Porto uma cidade cada vez mais interessante e reconhecida.
Para mim basta-me a constatação de que o Porto está melhor hoje do que ontem, que é uma cidade de oportunidades para todos e que pode ser a cidade onde os meus filhos possam viver e trabalhar se for essa a sua vontade. Desejo que eles, tal como todos os portuenses, possam decidir se querem cá ficar e que o cenário de partir não lhes seja imposto por uma cidade sem ambição.
Pessoal e profissionalmente, certamente estarei no Porto até ao fim do mandato do Presidente Rui Moreira. Depois disso, onde quer que esteja, quero continuar a contribuir para que este caminho de ambição que tantos resultados proporcionou, se mantenha ativo e assim garantir que o meu Porto é cada vez mais sustentável e confortável para todos.
MF: Qual deve ser, hoje, a mensagem de um decisor político, quando se fala em políticas ambientais? De que forma se pode envolver mais os cidadãos neste caminho?
FA: A minha mensagem em relação às políticas ambientais é que elas são uma prioridade e não podem ser negligenciadas. A emergência climática e os desafios ambientais exigem ação imediata, persistente e determinada. É altura de agir, de acelerar! Não tenho uma resposta simples ou única para envolver os cidadãos neste caminho, mas acredito numa abordagem múltipla onde vários agentes e de diversas formas possam contribuir para o bem comum. Seja através da promoção da educação ambiental, das campanhas de informação e sensibilização ou do seu envolvimento ativo na definição e implementação das próprias políticas ambientais.
Enquanto decisores políticos, temos de liderar pelo exemplo e, para lá disso, ser facilitadores, criando as condições para que outros agentes – públicos, privados e os próprios cidadãos – sejam intervenientes ativos na sociedade. Acredito que é juntos que podemos enfrentar os desafios ambientais e construir um futuro melhor para as gerações atuais e futuras.