Entrevista com Leonor Andrade, 2.º lugar no Prémio AC5 Cientista em Início de Carreira

Leonor Andrade conquistou o 2.º lugar no Prémio AC5 Cientista em Início de Carreira e participou na Conferência Internacional de Estudantes de Física (ICPS), em Tbilisi, na Geórgia, motivada pela ambição e pelo gosto de aprender mais.

Em 2020, entrou na Licenciatura em Engenharia Física na Universidade do Porto, um curso partilhado pela Faculdade de Ciências e pela Faculdade de Engenharia. Atualmente, está no último ano do mestrado, também em Engenharia Física pela Universidade do Porto.

A jovem estudante acredita que nunca se deixa de aprender ao longo da vida e que o caminho para um futuro de excelência se constrói com esforço e dedicação.

PERFIL

Nome: Leonor Andrade

Idade: 22 anos

Cargo/Ciclo de estudos em que se encontra atualmente: Mestrado em Engenharia Física

Para quem não a conhece, fale-nos um pouco do percurso que a levou a ter escolhido a Engenharia Física.

Quando era muito pequenina, ainda no infantário, a minha irmã costumava-me ensinar aquilo que já estava a aprender no Ensino Básico, e eu sempre gostei de aprender. Muitas vezes, os primeiros anos de escolaridade são desvalorizados, mas sinto que é aqui que se criam as bases, os hábitos e o raciocínio para o que está por vir. Tive um ensino de excelência durante este tempo, e estou eternamente grata às professoras que tornaram isto possível – Professora Salete Figueiredo e Professora Alexandrina Figueiras.

O que mais gosto na Engenharia Física é esta versatilidade de aplicações a imensos problemas.

Durante o Ensino Básico, estava bastante indecisa entre as Engenharias e a Medicina, porque gostava de ambas as áreas. Logo no início do Ensino Secundário, tanto a Engenharia Física como a Engenharia Aeroespacial/Mecânica fascinaram o meu interesse. Tive a sorte de ter excelentes professores de Físico-Química ao longo do meu percurso que sempre salientaram a importância deste tópico na atualidade. Em especial, a Professora Tânia Araújo, despertou em mim uma curiosidade pela área da Engenharia Física. As aulas dela foram das melhores que já tive, porque nos faziam pensar – pensar com espírito crítico e pensar em problemas fora da caixa. São estes problemas para os quais temos de arranjar resposta que nos fazem ganhar competências para resolver qualquer outro que se atravesse à nossa frente. O que mais gosto na Engenharia Física é esta versatilidade de aplicações a imensos problemas. Acho que não existiu um momento único que me levasse a escolher este ramo, foi um gosto pela área e pelos desafios atuais que foi crescendo com o tempo, e que continua a crescer.

Em 2020, entrei na Licenciatura em Engenharia Física na Universidade do Porto, e atualmente, estou no último ano do mestrado, também em Engenharia Física pela U. Porto.

Sabemos que conquistou o 2.º lugar no Prémio AC5 Cientista em Início de Carreira e participou na Conferência Internacional de Estudantes de Física (ICPS), em Tbilisi, na Geórgia entre outras distinções

Como é que foi o caminho percorrido para se chegar além-fronteiras?

Eu acho que não há uma receita com todos os passos para este tipo de coisas. Sinto que isto fica ainda mais claro se contar a história de como é que acabei na Geórgia, em agosto, a receber este prémio.

O ano anterior foi bastante atribulado na minha vida – acho que nunca tive o sentimento de que não tinha nada para fazer. Na altura, era presidente do PhysikUP, o Núcleo de Estudantes de Física, Engenharia Física e Astronomia da U.Porto, uma posição que me requeria bastantes horas de trabalho diariamente, entre reuniões, representações externas, trabalho burocrático, resolução de conflitos, etc. Para além disto, estava no primeiro ano do Mestrado, o que também requeria a minha presença nas aulas e a entrega de relatórios e trabalhos de forma contínua ao longo do semestre. No final da Licenciatura, estava ainda num projeto de investigação extracurricular no IFIMUP (Instituto de Física dos Materiais Avançados, Nanotecnologia e Fotónica da Universidade do Porto) sob a orientação do investigador Gonçalo Oliveira, que continuou ao longo do meu mestrado e que também precisava da minha dedicação.

E como dinamizou o PhysikUP (Núcleo de Estudantes de Física)?

Quando aceitei a posição de presidente, sempre deixei bem claro comigo mesma de que poderia até haver alturas onde tivesse de pôr os estudos de lado e dedicar-me mais ao núcleo, mas que não ia de todo deixar o trabalho do mestrado para trás.

Para além disso, tentei sempre levar o Núcleo de Estudantes para o patamar acima, e motivar a equipa extremamente trabalhadora, talentosa e criativa que tinha à minha guarda.

Criamos bastantes atividades inovadoras e desenvolvemos/melhoramos imensas relações com outras entidades, e com o próprio departamento e os seus estudantes. Isto, para mim, foi a maior conquista do meu mandato. No projeto de investigação, também consegui fazer um bom progresso, tendo tentado trabalhar sempre de forma consistente.

Algures no final do semestre, um dos meus orientadores, o Professor João Horta Belo, veio falar comigo sobre uma iniciativa que lhe tinha aparecido e que achava que seria uma boa oportunidade para mim – IUPAP AC5 Early Career Scientist Prize. O único problema era a deadline apertada e o facto de estar a meio da minha época de exames – não poderia simplesmente dedicar-me por completo àquela candidatura.

Devemos sempre tirar o máximo partido daquilo que nos vai “acontecendo”.

Após uma breve discussão, convenceu-me a candidatar-me e começamos a preparar os documentos necessários. A ajuda incansável do Professor João Horta Belo e do Professor João Pedro Araújo foram essenciais para que esta candidatura tivesse sucesso. Quando recebi o e-mail a confirmar que tinha ficado selecionada, foi uma sensação de negação e alegria em simultâneo.

Sente que essas decisões tiveram um impacto fulcral no seu futuro?

Há 3 anos, quando me juntei ao PhysikUP apenas como recruta, nunca pensei que aquele momento fosse ser determinante para o meu futuro. Há 2 anos, quando decidi participar no projeto de investigação em perovskitas duplas, nunca previ que isso fosse ter um impacto uns anos mais tarde – e, se calhar, se tivesse escolhido outro orientador poderia ter tido uma experiência completamente diferente e não ter continuado no ramo da investigação.

Foram todos estes acasos que me fizeram acabar na Geórgia, na International Conference of Physics Students (ICPS). Não há propriamente uma receita com todos os passos, as coisas vão-se juntando e construindo e com sorte consegue-se chegar aqui.

Um ponto importante que gostava de salientar é que devemos sempre tirar o máximo partido daquilo que nos vai “acontecendo” – algo que sempre tive muito ciente ao longo do meu percurso académico. Se não tivesse maximizado os resultados de tudo aquilo em que me envolvi, não teria sido possível fazer tanto em tão pouco tempo. Na Geórgia, quando me propuseram a integrar o Comité Executivo da International Association of Physics Students (IAPS) como Events Manager, aceitei o desafio. Propuseram-me ainda a eleição para a Affiliated Commission 5: Physics Students (AC5) da International Union of Pure and Applied Physics (IUPAP), que também aceitei. Eu poderia ter ido à Geórgia única e exclusivamente para receber o prémio e participar na conferência, mas decidi abraçar estas oportunidades que surgiram. São este tipo de momentos chave que aparecem no nosso percurso que nos podem levar além-fronteiras.

Foi ainda galardoada com uma bolsa STEM para jovens cientistas em Engenharia atribuída pela Synopsys.

Sente que é mais difícil destacar-se no universo da Engenharia por ser jovem e mulher?

Durante o meu percurso escolar, até ao final do Ensino Secundário, nunca senti qualquer tipo de discriminação, e tive bons exemplos de mulheres em áreas STEM que me mostravam que era possível. A minha família também desempenhou um papel relevante, porque sempre me incentivou a entrar pela Engenharia, se era realmente aquilo que gostava. A minha mãe costumava dizer-me que devíamos sempre escolher um curso e um trabalho de que realmente gostássemos, para nunca mais termos, efetivamente, de trabalhar na vida. No Ensino Universitário, felizmente, tive professores que sempre me motivaram e inspiraram a prosseguir na área da Engenharia.

Tive bons exemplos de mulheres em áreas STEM que me mostravam que era possível.

Aliás, se hoje estou onde estou, em muito o devo a esses professores, dos quais destaco o professor André Pereira, o professor João Horta Belo, o professor Cândido Duarte, o professor João Pedro Araújo e o professor José Luís dos Santos. Para além disso, no grupo de investigação onde estou inserida, no IFIMUP, nunca senti qualquer tipo de desvalorização de nenhuma forma, muito pelo contrário. Sempre senti que o ambiente onde estava inserida era inclusivo, tanto pelo género como pela formação, quer da parte dos meus orientadores, como da parte dos restantes investigadores e estudantes. Isso mostra-me que, embora os números não mintam e ainda exista muito trabalho a ser feito globalmente pela igualdade de género, já existem espaços acolhedores para o trabalho igualitário na área da Engenharia.

Tem havido um esforço grande da parte das Universidades e da Indústria em reverter a desigualdade que existe no ingresso em áreas da Engenharia e posterior entrada no mercado de trabalho. Os números têm melhorado, a nível mundial e nacional, e mostram-nos que estamos a ir no caminho certo, pelo que, se estas iniciativas se mantiverem, vamos experienciar cada vez mais uma Engenharia mais equitativa. A bolsa STEM atribuída pela Synopsys representa, a meu ver, os esforços que devem ser feitos por todas as indústrias. Só a apostar na Educação é que se vai conseguir ter matéria prima para depois resolver os problemas de igualdade de género nas áreas da Engenharia.

Quanto a ser jovem, sinto que já é mais uma característica societal portuguesa pensar que os jovens trazem menos valor porque têm menos experiência. Ainda não sinto que haja políticas que mostrem aos jovens que devem ficar por cá e que o país os valoriza – daí vermos uma emigração em massa da geração mais qualificada de sempre. Espero que melhore, e que, no futuro, não seja um destes jovens que vai para fora porque não lhe foram dadas as mesmas oportunidades por cá.

Ainda não sinto que haja políticas que mostrem aos jovens que devem ficar por cá e que o país os valoriza

Que conselhos daria aos jovens Engenheiros que, tal como a Leonor, procuram alcançar a distinção e a excelência no seu percurso profissional?

Embora os últimos meses tenham sido gratificantes, estou longe de estar em posição para dar conselhos sobre excelência – ainda há muito caminho que tenho de percorrer para chegar a esse nível. Mas diria: sejam curiosos e sem fronteiras. Não criem próprias barreiras ao conhecimento que podem absorver.

Todo o conhecimento vos pode ser útil a resolver algum problema que se atravesse no vosso caminho. Para além disso, lembrem-se que existem vários caminhos com o mesmo fim. Aquilo que pode ser o caminho ideal para os vossos colegas, pode não ser para vocês, e têm de descobrir como é que gostam e querem trabalhar. A partir daí, tudo se torna mais fácil.

Como podem começar no presente a planear o futuro?

É preciso também definir prioridades, e pesar o impacto que as oportunidades que vos aparecem podem ter a longo prazo na vossa vida e carreira. E por fim, mas o conselho mais importante, não encarem a distinção/excelência como um fim ou um objetivo. Devem encará-la como algo secundário que advém do trabalho que foram construindo. Se estiverem a trabalhar unicamente para alcançar a distinção, pode sair o tiro ao lado. Como o Konstantin Novoselov, vencedor do Prémio Nobel da Física em 2010 pela descoberta do grafeno, já disse: “Se tentarem ganhar um Prémio Nobel, nunca o vão ganhar.”. O foco deverá ser sempre na forma como trabalham e no trabalho que produzem. Distinções são secundárias e vêm de arrasto ao esforço que colocam no que fazem.

Quanto à excelência, ela constrói-se com muita dedicação e disciplina. Qualquer pessoa pode ser excelente na área onde trabalha, se dedicar horas e horas ao que faz. Claro está que estas horas têm de ser produtivas e bem aproveitadas, não é só estar presente na secretária ou no laboratório. Mas a excelência não é algo que acontece do dia para a noite, acarreta muita dedicação e muitas horas, que, na maior parte das vezes, são vistas como “sorte” quando as distinções acabam por ocorrer.

Em relação à Engenharia Física praticada em Portugal, quais considera que são os pontos positivos que se destacam e os pontos negativos a melhorar?

Antes de mais, eu tenho alguma noção da Engenharia Física praticada em Portugal, mas é importante notar que a minha realidade é na Universidade do Porto. A Engenharia Física é lecionada e aplicada de formas diferentes noutras Universidades do país e aquilo que direi a seguir pode refletir apenas a minha experiência tendo em conta a bagagem que levo. O curso no Porto é muito teórico, o que é positivo porque nos dá muitas bases, mas negativo porque carece da aplicação prática. De qualquer forma, se os alunos forem interessados, conseguem sempre colmatar este aspeto, porque temos imensas oportunidades na Universidade do Porto para desenvolvermos valências em soft e hard skills. Por vezes, esta falta de ligação entre a teoria e a prática leva a uma deficiente conexão com o mundo empresarial, algo mais acentuado na Engenharia Física do que nas outras Engenharias, diria. Todavia, acho que se têm construído, a pouco e pouco, as pontes entre estes dois mundos.

E acha que a Engenharia Física é uma Engenharia do futuro?

Ainda há trabalho a fazer, mas já há muito trabalho a ser feito neste âmbito. Também é importante notar que a profissão de Engenheiro Físico é muito versátil, devido às competências que são adquiridas ao longo do curso. Isto leva a que existam pessoas em cargos muito distintos e em indústrias distintas. A experiência também poderá ser diferente dependendo do meio onde estão inseridos e a minha visão é apenas das indústrias que conheço. Contudo, daquilo que conheço, posso afirmar que é uma profissão do futuro – Portugal precisa e vai precisar cada vez mais de profissionais nestas áreas.

Com a UNESCO a declarar 2025 como o International Year of Quantum Science and Technology (IYQ), estas tecnologias e as competências de um Engenheiro Físico vão ter um impacto tremendo no futuro, o que é uma oportunidade para quem vier a seguir estes ramos.

A Ordem dos Engenheiros parece-me estar cada vez mais próxima dos jovens Engenheiros, ainda durante a sua formação.

Como é que acha que a Ordem dos Engenheiros pode contribuir para melhorar o futuro e a vida profissional dos jovens Engenheiros?

A Ordem dos Engenheiros parece-me estar cada vez mais próxima dos jovens engenheiros, ainda durante a sua formação. Têm existido cada vez mais iniciativas e atividades que pretendem incluir os jovens engenheiros e apoiá-los no seu percurso. Um desses exemplos é a atribuição dos Prémios de Mestrado OERN, representando um reconhecimento do trabalho árduo dos estudantes no desenvolvimento da Tese do Mestrado. Creio que mais incentivos deste género podem aproximar os jovens estudantes da OERN, como, por exemplo, fazer um Prémio do tipo para as Teses de Doutoramento em Engenharia. Outra ideia seria dinamizar mais atividades idealmente projetadas para os jovens, em colaboração com os núcleos de estudantes dos diferentes cursos (teve bastante adesão com o PhysikUP – Núcleo de Estudantes de Engenharia Física da U.Porto). Nestas atividades, membros da Ordem dos Engenheiros podem partilhar as suas experiências em cargos de Engenharia e como é que a OE os ajudou no seu percurso – acho que ambas as partes têm algo a ganhar com isto. Através desta ligação, pode ser criado um programa de mentoria entre profissionais seniores e jovens Engenheiros a começar a vida profissional, fazendo com que haja uma melhor conexão entre as diversas faixas etárias que a Ordem dos Engenheiros representa.

Com o percurso brilhante que está a traçar, onde se vê daqui a 5 anos Leonor?

Esta pergunta não é trivial, porque há muitos fatores, como já pude referir, que podem afetar o rumo da carreira que traçamos. Este será o ano final do meu mestrado e gostaria de fazer um doutoramento em Engenharia Física. Idealmente, gostava de o fazer no Porto, porque é a minha cidade de coração, e porque estou satisfeita com o trabalho que estou a desenvolver por cá. Se isto se tornar possível, daqui a 5 anos estarei na reta final do meu doutoramento, que marca o final de uma longa jornada académica, da qual sairei sempre como eterna estudante, porque nunca se deixa de aprender ao longo da vida. Isto abrirá portas para muitas outras coisas, espero eu, mas algo é certo, daqui a 5 anos imagino-me a investir ainda mais na minha formação.

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