A derradeira conferência do “Há Engenharia fora da caixa” trouxe António Baía Reis para nos falar sobre a forma como os engenheiros podem estimular a criatividade latente em cada um.
Joaquim Poças Martins, presidente da Ordem dos Engenheiros – Região Norte (OERN) abriu a conferência lembrando que este ciclo promovido pela OERN, e que arrancou durante o período de confinamento, foi muito rico naquilo que trouxe aos engenheiros. “Permitiu a todos os que assistiram, ter a oportunidade de conhecer várias perspectivas do momento que atravessamos e o papel que os engenheiros irão desempenhar nos tempos futuros.” Desafios e provocações fora da caixa, foi o que Raul Vidal, moderador desta conferência, augurou da intervenção de Baía Reis que em breves minutos de se iniciaria.
O que Baía Reis disse….
Sobre a aprendizagem…
Hoje espero poder aqui partilhar algumas ideias, mas sobretudo deixar-vos com alguns estímulos que espero eu vos possam servir de alguma coisa para as vossas vidas pessoais, profissionais e afins.
“É absolutamente proibido fecharmo-nos em conchas
onde só coabitam pessoas com os mesmos perfis,
as mesmas formas de pensar.”
A curva de aprendizagem esgota-se rápido e entramos num ciclo de repetição de ideias e de estímulos, uma verdadeira autofagia intelectual. Eu sou um paraquedista das Artes e das Ciências Sociais na FEUP, mas um sortudo porque aprendo todos os dias algo novo com os engenheiros e com a Engenharia. Dito isto, eu gostaria hoje de partilhar convosco três ideias, tendo como fio condutor a ideia de criatividade:
Sobre a criatividade…
Em primeiro lugar, o que é isto da criatividade? E irei fazê-lo sem pretensões de uma definição absoluta. Em segundo, que matriz é esta de que falo quando combino Comunicação e Artes Performativas e outras dimensões com Criatividade? E finalmente, como é que tudo isto se liga e se inscreve especificamente na Engenharia e nos engenheiros.
E começaria pela definição do investigador Arne Dietrich, professor de Psicologia, que associa criatividade diretamente ao processo de criação e mais especificamente ao que deste resulta. Por outras palavras, o ato de criar tem três condições fundamentais segundo Dietrich: tem de ser algo novo e original, tem de ser útil ou desempenhar alguma função, isto é, pode satisfazer uma necessidade prática ou transmitir uma emoção, por exemplo; e terceiro e último, tem de surpreender e criar impacto. Portanto: originalidade, utilidade e impacto.
“Os experts têm de existir, mas se forem permeáveis ao desconhecido,
correm o risco de absorver outros estímulos,
quem sabe se não se poderão tornar renascentistas do século XXI!”
Portanto, temos aqui mais 3 dimensões para relacionar com a ideia de criatividade:
1) Primeiro, é um processo dinâmico interno, vivo.
2) Segundo, é um exercício de não estarmos presos aos conhecimentos adquiridos e darmos espaço à absorção de novas ideias, de novos paradigmas. Portanto, uma certa permeabilidade ao novo e ao desconhecido.
3) E terceiro e último, este tal exercício de interligar ideias e perceções improváveis.
Sobre a criatividade e os engenheiros
Os experts têm de existir, mas se forem permeáveis ao desconhecido, correm o risco de absorver outros estímulos, quem sabe se não se poderão tornar renascentistas do século XXI!
Depois temos esta noção que eu também gosto particularmente que é a da interligação de ideias e perceções improváveis. E eu gosto tanto desta ideia que às vezes abuso desta prática o que me leva a cenários absurdos, onde quase tudo é suscetível de se interligar. Portanto, tem de existir uma certa lógica. Dou-vos um exemplo. Há umas semanas atrás escrevia sobre uma produção de um documentário em vídeo 360 graus que realizei com um grupo de jovens na ilha da Madeira e, enquanto escrevia, apercebi-me que a noção de presença – que é um conceito essencial associado à realidade virtual – poderia ser relacionado com a noção de presença presente nos estudos de teatro e, mais particularmente, ligada aos processos do ator e às dinâmicas da presença em palco.
“As ligações improváveis são o que está na base daquilo que é o ser criativo”
Dei por mim a escrever desalmadamente sobre o assunto até que me apercebi que a ligação era improvável, mas não poderia deixar-me levar pelo efeito bola de neve e chegar ao ponto de forçar, cumulativamente, ainda mais ligações entre o conceito de presença na realidade virtual e o conceito de presença no teatro! Tudo isto para dizer que este tipo de ligações improváveis são o que está na base daquilo que é o ser criativo e o mergulhar nesta tal remodelação dinâmica da nossa realidade interior.
Com estas duas noções de criatividade, penso que temos aqui uma base, que não é verdade absoluta, mas uma base para um possível entendimento do que é a criatividade.
Sobre o conceito…
Só apenas com o Renascimento, e a alteração profunda do paradigma do teocentrismo para o antropocentrismo, ou seja, o redirecionar o foco de Deus para o Homem, se reconhece a criatividade como algo que provém do Homem e das suas capacidades e não de Deus. E um dos exemplos mais vivos é o Da Vinci. E o Leonardo Da Vinci era claramente um homem não só da Arte, como também do Engenho.
“Eu desconfio que (Leonardo da Vinci) se ainda fosse vivo
seria seguramente membro da Ordem dos Engenheiros.”
Mais tarde, com o Iluminismo a noção de criatividade adensa-se e com Hobbes, por exemplo, a criatividade surge aliada à imaginação e esta, por sua vez, ligada já à ideia de cognição humana. Depois, só no final do século XIX e início do século XX é que se começam a pensar e a refletir publicamente acerca dos processos criativos. E assim se foi adensando e ramificando o estudo da criatividade ao longo do século XX por várias áreas, ganhando uma força especial, por exemplo, na Psicologia e nas Neurociências. Enfim, eu resumiria tudo no seguinte: Houve um tempo em que os sábios, eventualmente chamados de cientistas ou artistas, circulavam por diversos campos da cultura. Matemática, física, arquitetura, pintura, escultura. Tudo isto era matéria-prima do pensamento e da ação.
Sobre como estimular a criatividade…
Permitam-me ir um pouco às Neurociências e repescar a ideia do neurocientista David Bueno que nos diz o seguinte e passo a citar:
“Curiosamente, é quando estamos ensimesmados ou em repouso consciente que há mais neurónios ativos, porque o cérebro não se vê obrigado a fazer algo em concreto e aproveita para se regenerar, para se reciclar e ir consolidando o que aprendemos. Por isso, as grandes ideias surgem, muitas vezes, quando estamos a descansar.”
“[Para criar] é preciso aceitar um certo grau de tédio
e de reduzir o modo de trabalho alucinante e multitarefa dos tempos de hoje.”
Acho que todos nós, de alguma forma, nos identificamos com esta ideia, certo? Eu diria que isto está muito relacionado com a ideia de ver as coisas com novos olhos.
A tendência que temos, por exemplo, de estar constantemente ligados à internet e ter sempre algo para fazer afeta a criatividade. Podem discordar, mas eu acredito piamente que é preciso aceitar um certo grau de tédio e de reduzir o modo de trabalho alucinante e multitarefa dos tempos de hoje. Só assim se poderá criar espaço para criar, para que surjam novas ideias. E esta ideia de ver com novos olhos não é minha. É do Marcel Proust que dizia “não se trata de procurar novas paisagens, mas de ver com novos olhos”. Portanto é uma questão de perspetiva. Para ter novas ideias há que deixar os sentidos e o cérebro deambular.
E para isso é necessário tempo de introspeção, no qual os próprios pensamentos, sentimentos e sensações possam absorver por completo a nossa atenção.
Depois da introspeção é que vem a expressão exterior do mundo interior, o que muitos chamam do processo criativo, que é descrito também por muitos como um caminho de pedras e frustrações.
“A pessoa mais criativa é que mais tenta, a que menos
desespera e a que possui melhor tolerância à frustração”
Por outras palavras, a pessoa mais criativa é que mais tenta, a que menos desespera e a que possui melhor tolerância à frustração. E isto está muito ligado à ideia de aceitar o fracasso como parte integrante do processo do pensamento criativo.
Sobre dicas para estimular a criatividade….
algumas sugestões no sentido de estimular a criatividade, de ativar essa chama imaginativa:
- Habituem o vosso cérebro a ser flexível, experimentem coisas novas.
- Quando estão a pensar em criar algo, aceitem sem frustrações essa torrente de ideias, deixem essas ideias fluir, tomem nota, não as julguem e com tempo poderão avaliá-las e perceber se fazem sentido.
- Rodeiem-se de pessoas criativas de áreas diferentes das vossas. Vão à descoberta de museus, de um género musical diferente, façam um curso de culinária, aprendam uma língua nova.
- Insistam na disciplina criativa. A experiência é muito valiosa.
- E finalmente, vejam para além do vosso nariz, tentem encontrar uma forma de controlar o stress e as ansiedades do dia-a-dia. Cuidem da vossa saúde, durmam bem, comam bem, mas por vezes comam mal, queijo da serra bom vinho, colesterol alto. O importante é que quando estamos bem, a nossa perspetiva é mais ampla.
“Os engenheiros são bichos criativos por excelência”
E gostaria de terminar com uma nota dirigida especialmente aos engenheiros que vai, no fundo, ao encontro do resumo da minha comunicação e da ideia de que os engenheiros do futuro terão de ser permeáveis a outras áreas que não só as relacionadas com as suas competências nucleares e mais técnicas. E aqui eu começaria por dizer que os engenheiros são bichos criativos por excelência! E entenda-se bichos no sentido carinhoso da expressão. O termo engenho, termo este que mais tarde imprime a nomeação da profissão engenheiro, vem do latim ingenium, que quer dizer “qualidades inatas”. Ora, o “ingeniosus” é o que, e passo a citar: “tem naturalmente todas as qualidades de inteligência”. E que através dessas qualidades de inteligência engendra, gera, faz nascer.
“O engenheiro não é só um construtor de engenhos,
é também um criador no sentido mais alargado da expressão. “
E de facto, se olharmos para este século XXI e todas as profundas alterações que estamos a viver, onde, e tal como disse anteriormente, coisas como a nanotecnologia, a inteligência artificial, a computação quântica, os transportes, as infraestruturas, as redes, a energia, tudo isto está na base de uma nova revolução, de uma alteração radical do paradigma da inovação. E os engenheiros tem aqui um papel cimeiro nesta conjuntura.
Por isso, e termino, os engenheiros do futuro são aqueles com uma grande capacidade de adaptação, de colaboração, de comunicação, de atenção ao detalhe, de liderança e também, claro está, pensamento criativo, ou seja, de sair da tal caixa e encontrar formas inovadoras para os problemas da sociedade.
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Edição e texto: Catarina Soutinho | Transcrição: Sofia Vieira | Design Gráfico: Melissa Costa