A sexta conferência do “Há engenharia fora da caixa”, voltou a trazer para análise o turismo em contexto de pandemia. Carlos Costa, professor catedrático de turismo na Universidade de Aveiro, levou-nos pela análise daquilo que se espera da evolução do turismo nos próximos tempos, na certeza de que a (re) Engenharia do Turismo é um dos grandes desafios que teremos de encarar.
Com vem sendo hábito, Joaquim Poças Martins, presidente da Ordem dos Engenheiros – Região Norte abriu a sessão lembrando que “o turismo tem um peso muito importante na economia portuguesa e é uma das áreas que, neste contexto, foi fortemente afetada, no entanto há algumas perspetivas de abertura e será muito importante que nesta altura ouçamos mais uma vez quem sabe.” Já Borges Gouveia a quem foi designada a moderação desta conferência partilhou que “Carlos Costa sempre foi um percursor daquilo que há 20 anos não se falaria muito, como a Sustentabilidade.”
O que Carlos Costa disse…
Sobre o turismo
“O Turismo é combustível
e a economia do país sempre se desenvolveu nesta base”
O Turismo é um setor fundamental no país e hoje encontramo-nos numa situação bizarra, muito estranha. Em janeiro, mesmo depois destas questões já se terem colocado na China, estávamos todos a discutir o overtourism em Portugal. Eu dizia sempre que em Portugal nós não tínhamos excesso de turismo, também depende dos números, pois este vale 12 a 15% do PIB e se considerarmos os valores indiretos o valor sobe para cerca de 20%. Estes valores não são problemáticos, o Turismo é combustível e a economia do país sempre se desenvolveu nesta base, como o caso dos emigrantes. O Turismo tem este fator exportador, só que este fator exportador é ao contrário, nós não saímos, não precisamos de exportar, eles é que entram dentro do próprio país. Portanto o país estava de “vento em poupa”, com fatores multiplicadores muito grandes.
“Eu dava o exemplo do NorteShopping no Porto aos meus alunos, onde há um excesso de clientes e o que a iniciativa privada fez não foi mandar os clientes embora mas sim a ampliar o espaço. É isto que se faz.”
Portanto o Turismo pode e deve ser um elemento de indução das economias. É evidente que tem fatores de concentração e de desequilíbrio. Eu dava o exemplo do NorteShopping no Porto aos meus alunos, onde há um excesso de clientes e o que a iniciativa privada fez não foi mandar os clientes embora e sim a ampliar o espaço. É isto que se faz. Ou seja, quando temos um problema de aglomeração, que existe, e há deseconomias de aglomeração, temos de nos ajustar para fazer mais e melhor e é isso que temos de fazer no turismo nacional.
“Nós temos de ser críticos, o país tem tido uma boa capacidade de atrair, mas nunca teve grande capacidade de trabalhar isto em termos de Engenharia do produto e da organização dos territórios.”
No coração do turismo estão os aviões, os tours operadores e depois os turistas chegam. Portanto a cadeia de operações que nós temos é uma cadeia com os turistas a vir de diferentes pontos geográficos (portanto compram lá os pacotes), voam, chegam aos nossos aeroportos e depois vão, fundamentalmente, para os hotéis e para a restauração. Esta é a estrutura central do setor do turismo. Ora o grande segredo é nós conseguirmos fazer negócio a partir disto, que é uma coisa que o país nunca soube fazer. Nós temos de ser críticos, o país tem tido uma boa capacidade de atrair, tem entrado muita gente no país, mas o país nunca teve grande capacidade de trabalhar isto em termos de Engenharia do produto e da organização dos territórios, isto é, trabalhar o setor pelo lado da oferta e não apenas pelo lado da procura. E temos dois problemas, porque para além da pandemia, nós não estávamos preparados para isto, porque os nossos agentes públicos e semipúblicos do turismo são agentes que fundamentalmente fazem promoção exterior, logo se nós agora não temos, também não temos estrutura.
Portanto como é que nós podemos e devemos fazer a re-engenharia do produto?
Sobre o impacto da pandemia
A Organização Mundial do Turismo diz que o impacto no turismo, este ano, vai ser entre 20 a 30%, ou seja, a quebra será entre 290-440 milhões. O que se deve esperar é uma situação bem pior que esta. Entre 10 de fevereiro e 20 de março tínhamos menos 83% de pessoas em restaurantes, cafés e shoppings. Mesmo nos supermercados e farmácias a quebra foi de cerca de 60%. Durante o mês de abril perdemos, em relação ao mesmo período de 2019, 659 milhões de euros na restauração e comércio.
“Neste momento estamos a conseguir controlar a pandemia porque temos só o sistema interno a funcionar. Os aeroportos estão fechados e as fronteiras também.”
Sobre a fase de recuperação
Depende das curvas de saúde, depende da situação de evolução da doença. Neste momento estamos a conseguir controlar a pandemia porque temos só o sistema interno a funcionar. Os aeroportos estão fechados e as fronteiras também. Portugal foi notado no mundo, ganhou prémio atrás de prémio na área do turismo, até se pensava que “quando a esmola é grande o pobre desconfia”. Mas neste momento, naturalmente que não estamos a receber a prémios, mas já recebemos um da Forbes que é o Melhor lugar para se viver no pós-covid, em que em primeiro lugar está o Algarve. E porquê? Porque de facto o país tem capacidade, está a ajustar-se e tem o SNS a funcionar bem e a responder a esta situação.
Mas as projeções que existem, para vários países, apontam para recuperações a partir de janeiro de 2021, porque iremos ter três fases:
Fase 1 – Turismo doméstico (recomeçará a partir de setembro)
Fase 2 – Turismo dentro da Europa (início da primeira metade de 2021)
Fase 3 – Turismo de longa distância (início na segunda metade de 2021)
Sobre a re-engenharia do Turismo
A inovação faz-se mexendo em várias áreas, no produto, nas cadeias de produção, no marketing, na governação. Em termos nacionais devemos avançar em várias áreas: Produtos e Marketing – Segurança física, saúde, ambiental e Organizações – novas funções para as DMOs (destination management organisations), ligação da economia e gestão ao planeamento territorial.
“O planeamento territorial é o grande problema de Engenharia que temos no nosso país. Temos impactos e problemas nos territórios causados pelo turismo.”
O planeamento territorial é o grande problema de Engenharia que temos no nosso país, porque nós temos impactos e problemas nos territórios causados pelo turismo como congestão nos centros, problemas de abastecimentos de água, saneamento, lixo, policiamento, iluminação, etc., que são das autarquias, que são do planeamento, mas depois o turismo é gerido pelo Ministério da Economia cujo o objetivo é, fundamentalmente, atrair pessoas. O que também é necessário, mas não chega, as estruturas que nós temos de gestão dos fluxos articulados com o território são de facto relativamente fracos.
“Precisamos de engenheiros para a gestão de operações,
para as cadeias de abastecimento, para a logística.”
Precisamos de engenheiros para a gestão de operações, para as cadeias de abastecimento, para a logística, para que neste momento possamos encurtar a cadeia de operações e fortalecer a base económica. Assim, com isto, iremos apostar no mercado interno e quando os mercados externos vierem já estaremos preparados.
“Nós temos muita gente de fora que vive cá,
e que depois vai fazer, também, a promoção daquilo
que está a acontecer no país.”
Sobre o mercado interno
Há muita engenharia que pode ser feita. Nas situações de crise, devemos ter coragem, concentração e focalização para dar o salto para a frente. Nós temos muita gente de fora que vive cá, e que depois vai fazer, também, a promoção daquilo que está a acontecer no país. Portanto, nesta primeira fase, nós o que devemos fazer é reduzir a cadeia de abastecimento. E temos de começar a trabalhar para o mercado nacional. Portanto, aquilo que nós deveremos esperar em primeiro lugar não é a recuperação de mercados externos, esqueçam, a dimensão da exportação neste momento, sob o ponto de vista de turismo, é para esquecer completamente, porque nem é recomendável que nós queiramos abrir as nossas fronteiras terrestres, porque nem os espanhóis nos querem lá, nem nós queremos, nesta fase, muito intercâmbio através das nossas fronteiras.
“A exportação neste momento, sob o ponto de vista de turismo, é para esquecer completamente”
Sobre o mercado externo
A Europa está a portar-se relativamente bem. Aquilo que nós podemos assegurar, é que, se não tivermos aqui infortúnios de segundas ou terceiras ondas de coronavírus, que até ao final do ano, a Europa vai gradualmente estabilizar-se. Portanto, nós vamos mover a nossa fronteira, para a fronteira de Schengen novamente. O espaço comunitário é um espaço forte e não se esqueçam que, obviamente, os países para onde nós mais exportamos estão dentro da Europa. Os países que são os principais emissores de turistas para Portugal são países da europa, é a Inglaterra, a Holanda, a Alemanha, e esses países vão gradualmente recuperar. A Inglaterra um pouco mais tarde, mas de qualquer das formas, por esta onda, lá para setembro estarão em condições.
“O selo Clean & Safe é uma condição necessária para se voltar ao mercado”
Sobre o selo Clean & Safe
Eu diria o seguinte: o selo Clean & Safe é uma condição necessária, neste momento, para se voltar ao mercado, vai ser o fator que nos vai permitir ter confiança. No entanto, todos os estabelecimentos vão ter, obviamente, este selo e certamente que os nossos hotéis e a nossa restauração vão fazer um bom trabalho, obviamente, e estarão em condições de a receber. O selo não é só da hotelaria e da restauração, nas nossas universidades está-se a pensar exatamente o mesmo se nós queremos os nossos alunos de volta, nós temos de ter um selo clean & safe. Já agora um exemplo que é de engenharia, o nosso departamento é o maior departamento da universidade, 2.500 alunos, é extramente agradável, é muito bonito, mas neste momento, 2.500 alunos é impraticável. Portanto aquilo que nós estamos a começar a fazer, vai ser numa questão de Engenharia, calcular a capacidade de carga do departamento, olhar para exercícios de investigação operacional, de gestão de operações. Portanto clean & safe é uma condição necessária, não é suficiente.
“Eu ainda tenho dúvidas de como é que nós vamos conseguir criar experiências por wi-fi, porque as pessoas querem viajar.”
Sobre os novos negócios pós covid
O teletrabalho é algo que vai ser uma das maiores conclusões que se vai sair desta fase do pós covid. Aliás, havia coisas que eram impossíveis de modificar no país e que de um momento para o outro, passaram a ser possíveis. Mas eu penso que vai ser um desafio começar-se a trabalhar de uma forma mais próxima, por exemplo, nesta área da engenharia. Mas os novos negócios vão estar aí em grande força. Há áreas que tem mais dificuldade, em se adaptar, nomeadamente, que a restauração. Aliás porque a cultura que existe é nós sairmos de casa e alimentarmo-nos e durante o processo da alimentação, há um processo de socialização, como é óbvio, nós queremos sair. Aquilo que acontece é que, de facto, este modelo, era um modelo muito rígido, porque era sempre unidirecional. De um momento para o outro, passamos a ter as entregas diretamente em casa, e escolhemos os produtos. Há áreas que vão começar a aparecer. Eu ainda tenho dúvidas de como é que nós vamos conseguir criar experiências por wi-fi, porque as pessoas querem viajar. Só para terem uma ideia, foi criada, há três semanas, a primeira revista sobre robots na área do turismo. Vem aí a questão dos robots, das máquinas para de facto, permitir, todas estas situações.
“A Grécia ainda não saiu de uma visão de hipermercado do turismo e isso não deve sair aquilo que nós queremos para o nosso país.”
Sobre a Grécia, o turismo sustentável e muito mais
Os gregos foram muito rápidos a abrir as fronteiras, e eles são um caso de sucesso, também diga-se de passagem. A Grécia é um país maravilhoso, obviamente, país excelente, condições excecionais, mas a Grécia ainda não saiu muito, vamos ser muito francos, de uma visão de hipermercado do turismo e isso não deve sair aquilo que nós queremos para o nosso país. Eu acho que é preciso haver um debate no país sobre o tipo de turismo que nós queremos. Não há turismo sem turistas e nós queremos pessoas, mas o turismo tem que ter gestão de operações e tem de estar orientado para a cadeia de abastecimento das economias, porque senão temos economias de Eucalipto, que é o caso do que acontece no algarve, que é eles voam, aterram, vão ao hotel, comem fish and chips, vão à praia, não têm valor acrescentado, não há economia, o algarve perdeu a economia de base. Não é isso que devemos querer no país. O turismo tem, sob o ponto de vista do seu valor, um impacto direto que é fabuloso, aliás se não tivesse sido o turismo, o país não tinha recuperado da fase da crise económica que nós tivemos.
“Sobre a sustentabilidade do turismo?
Eu diria que nós devemos pôr os ovos todos nessa cesta.”
Cada vez mais, aqueles que são os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável, vão ser aqueles que vão marcar a diferença no futuro e as pessoas vão estar cada vez mais sensíveis, até por questões, neste momento, de saúde, para aquilo que são produtos certificados, e produtos que nós conhecemos porque são locais e portanto, as cadeias de produção local, da agricultura, as cadeias das pequenas indústrias que nós conhecemos e conseguimos controlar melhor, essas devem ser puxadas para dentro da economia, porque o princípio de nós nos alimentarmos e importarmos produtos que não sabemos de onde eles vem, vai ser cada vez mais complicado, agora, por questões de natureza de segurança. Um dos princípios do desenvolvimento sustentável é envolvimento das comunidades, e aqui está, são a dimensão da agricultura, das comunidades locais, o conceito de bairro, de mercearia e portanto, tudo isso irá trazer melhores economias.
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Edição e texto: Catarina Soutinho | Transcrição: Sofia Vieira e Inês Miranda | Design Gráfico: Melissa Costa