Durante 12 anos a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) foi a sua casa. Desde a Mecânica Aplicada e os Métodos Numéricos à Mecânica Computacional, Rodrigo Carvalho construiu o seu lugar na Engenharia.

Hoje, enquanto investigador do INEGI, é na área de materiais e estruturas compósitas que desenvolve projetos como o Viriato (Veículo Inovador Reutilizável para Investigação e Alavancagem de Tecnologia Orbital), um dos grandes vetores do desenvolvimento espacial dos próximos anos, com produção 100% nacional.

PERFIL

Formação: Doutoramento em Engenharia Mecânica
Função atual: Líder Técnico e Desenvolvimento de Negócio
Empresa atual: INEGI – Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Gestão Industrial

Para quem não o conhece, fale-nos um pouco do seu percurso profissional para podermos contextualizar os leitores.

O meu percurso profissional está bastante enraizado na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Ingressei no Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica em 2010, onde me especializei em Projeto e Construção Mecânica. O meu interesse pela mecânica aplicada e métodos numéricos despertou a atenção do meu orientador, Prof. Francisco Andrade Pires, que me proporcionou a oportunidade de iniciar a minha carreira de investigação científica em 2014, na área da mecânica computacional.

Em 2015 concluí o mestrado integrado e, em 2016, ingressei no programa doutoral em Engenharia Mecânica onde me especializei em elementos finitos, modelação multi-escala e mecânica do contacto. Durante este período, fui Professor convidado na Secção de Desenho Industrial, onde lecionei as disciplinas de Desenho Técnico e Construção Mecânica durante 5 anos. Iniciei o meu trajeto no INEGI – Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Gestão Industrial, que foi a minha instituição de acolhimento durante o programa doutoral. No final de 2021 passo a fazer parte da equipa do INEGI.

Integrei a unidade de materiais e estruturas compósitas, onde assumo, desde então, as funções de líder técnico. Tornei-me especialista no desenvolvimento de reservatórios criogénicos em materiais compósitos, estando também envolvido na atividade de desenvolvimento de negócios.

Fotografia de elementos do Viriato. Fonte: INEGI

Para contextualização, o que é o Viriato? Qual o seu impacto na exploração espacial?

A importância do Centro Tecnológico e Espacial de Santa Maria nos Açores

Os sistemas de lançamento de microssatélites são considerados um dos grandes vetores de desenvolvimento espacial dos próximos anos. Uma das apostas do Governo português para o posicionamento estratégico no setor aeroespacial Europeu é a operacionalização do Centro Tecnológico e Espacial de Santa Maria nos Açores. O objetivo é realizar voos suborbitais a partir da ilha de Santa Maria e, portanto, potencializar a sua localização geográfica. Esta ilha encontra-se numa posição estratégica entre a América do Norte e a Europa, tem condições climatéricas moderadas e situa-se numa latitude próxima do equador—vantajoso na perspetiva de aumentar a capacidade de carga do lançador e aumentar a eficiência energética ao aproveitar o movimento de rotação do planeta.

Projeto Viriato

Alinhado com esta estratégia, o projeto Viriato designa o “Veículo Inovador Reutilizável para Investigação e Alavancagem de Tecnologia Orbital”. O desenvolvimento do veículo suborbital português resulta do esforço conjunto entre empresas e entidades pertencentes ao cluster AED–Aeronáutica, Espaço e Defesa. Este projeto mobilizador tem como objetivos subjacentes desenvolver, testar e validar tecnologias fundamentais e potencialmente relevantes para a futura plataforma de lançamento de microssatélites portugueses. Para o INEGI, em particular, o projeto Viriato apresentou uma oportunidade para a exploração do mercado dos reservatórios para criogénicos e marcar um novo capítulo na sua história no desenvolvimento de reservatórios de pressão.

Neste momento encontra-se no INEGI. Como é que que a Engenharia Mecânica se destaca no trabalho que está a desenvolver?

A Engenharia Mecânica é a principal fundação da ciência e inovação desenvolvida no INEGI. É um centro de referência nesta área e, como tal, as suas disciplinas são o foco diário daquilo que fazemos. A nossa atividade cobre um leque alargado de setores, desde a Indústria, Automóvel, Transportes, Aeronáutica, Espaço, Defesa, Infraestruturas, entre outras. No entanto, a abordagem aos problemas e tipo de soluções é, de forma transversal, fortemente baseada na Engenharia Mecânica. Somos conhecedores da termodinâmica, da ciência do movimento e deformação dos sólidos e fluídos, dos materiais, automatismos, robótica e do produto. Eu considero que a Mecânica é uma das Engenharias mais polivalentes, e isso reflete-se também na forma como o INEGI se posiciona: somos capazes de inovar num contexto alargado de realidades.

Tendo em conta o panorama atual da Engenharia, em que ferramentas e conhecimentos é necessário investir para que ocorram ainda mais avanços na exploração espacial?

Em Portugal…

No contexto nacional, é crucial existir uma aposta maior do Governo Português no setor através, por exemplo, do reforço dos programas de financiamento. Portugal tem a agência espacial “Portugal Space” que tem um papel potencialmente crucial na promoção e implementação do roadmap espacial Português. Além disso, também facilita a representação internacional de Portugal, na coordenação e articulação com a Agência Espacial Europeia. Outro fator importante é o interesse crescente dos jovens na Engenharia Aeroespacial, que tem sido dos cursos mais procurados ao longo dos últimos anos. Isto são evidências importantes para o impulsionamento de Portugal neste setor, e é crucial que o Governo Português esteja atento e sensibilizado ao nosso potencial. Somos um país com uma forte localização geográfica, com jovens qualificados e com um leque interessante de empresas e entidades nacionais ligadas ao setor do espaço e defesa.

No estrangeiro…

Internacionalmente, estamos a viver um período de atividade espacial nunca antes visto. O recente lançamento do veículo suborbital Espanhol Miura 1, os programas Lunares, toda a exploração em Marte são alguns exemplos da exploração espacial atual. Vivemos na era digital, a caminhar para a era do conhecimento, com novas ferramentas a surgir com um ritmo nunca antes visto. O fator determinante será, na minha opinião, o (des)entendimento entre as diferentes Nações do nosso planeta.

Algum/a Engenheiro/a que esteja a ler esta entrevista e que pense em trabalhar na mesma área, quais as skills que acha fundamentais terem?

O tipo de trabalho que empresas como o INEGI desenvolve requer um elemento chave: a paixão pela inovação. É essencial ser uma pessoa curiosa, muito curiosa. Quando tal acontece, naturalmente tornamo-nos pessoas persistentes: uma característica importante para esta atividade. Além disso, é extremamente importante o desenvolvimento da inteligência emocional. Lidar com projetos de maior incerteza técnica envolve lidar com ideias que falham, com resultados inesperados, sendo crucial nunca perder a motivação e o sentido de trabalho em equipa.

Qual acha que deveria ser o papel da Ordem dos Engenheiros no futuro e na vida profissional dos Engenheiros?

A Ordem dos Engenheiros é importante no estabelecimento fundamental da ética, da regulamentação e defesa dos direitos dos Engenheiros. Um Engenheiro é tão importante como um Médico ou Juiz e, como tal, a Ordem dos Engenheiros é igualmente relevante. É, por vezes, uma preocupação alheia ao pensamento de um estudante, mas que passa a ser algo importante após a entrada no mundo profissional. Este ponto é precisamente um aspeto que considero que poderia ser melhorado: seria interessante ter uma presença mais ativa da Ordem dos Engenheiros nas Universidades e Escolas Politécnicas, de forma a garantir que existe uma melhor compreensão do papel da Ordem na vida de um Engenheiro.

Quais são os maiores desafios que os Engenheiros enfrentam neste século?

O maior desafio penso que será o acompanhamento da transformação digital que está a decorrer. Se a programação passou de uma disciplina específica para algo cada vez mais transversal, o mesmo irá provavelmente acontecer com áreas emergentes como a Inteligência Artificial, Digitalização e Big Data. Esta mudança de paradigma irá levar a novos métodos de trabalho, que vão desafiar a capacidade dos Engenheiros se adaptarem. A tecnologia nunca evoluiu ao ritmo atual, mas é importante nunca perder o foco dos problemas realmente importantes. É imperativo o trabalho colaborativo de todos na transição energética, e o papel dos Engenheiros é importante na sensibilização e criação de novas soluções.

Há futuro onde há Engenheiros?

Não há futuro sem Engenheiros. Nós ligamos a teoria à prática, tornamos ideias em realidade e, enquanto existir Engenharia, existe evolução. Somos agentes importantes na sociedade, responsáveis pela inovação, pela otimização das operações, pela melhoria da qualidade de vida, por garantir que o nosso mundo funciona e, acima de tudo, que as gerações futuras têm condições para continuar o nosso trajeto.