Há Engenharia Geográfica na gestão de situações de crise

Por Marco Lima de Carvalho – Colégio de Engenharia Geográfica – Região Norte

Recentemente e decorrente da atual pandemia mundial provocada pelo novo vírus SARS-CoV-2, muito se têm visto em toda a comunicação social, serviços de proteção civil, forças de seguranças, gabinetes de planeamento de crise e público em geral, a consulta de mapas interativos e dashboards para acompanhamento em tempo real da evolução da pandemia.
A cartografia é a ciência que trata da representação da Terra ou parte dela através de mapas, cartas e outros tipos de projeções cartográficas. Podemos dizer que a cartografia surgiu por volta do ano de 2.500 a.C. quando foi produzido pelos Sumérios, aquele que é considerado o primeiro mapa da história, isto é, uma pequena placa de barro cozido com inscrições em caracteres cuneiformes (escrita suméria) onde foi representado o lado setentrional da região mesopotâmica.
Foi a partir do século XVII que a preocupação com o rigor científico dos mapas aumentou. Foi realizado, o primeiro levantamento topográfico oficial na França, em 1744, chefiado por César – François Cassini (1744 – 1784) que seria o precursor dos mapas modernos.
No entanto, ao longo dos séculos a evolução das técnicas cartográficas sofre profundas evoluções, passando de uma ferramenta de representação da terra na representação geométrica dos espaços, assim como no apoio à navegação, para algo mais abrangente e passível de ser utilizado por todos os cidadãos e diferentes comunidades científicas nas mais variadas aplicações.
Mas afinal qual a importância da informação geográfica na gestão de situações de crise associadas a problemas de saúde pública?
Recuando na história, muitos especialistas consideram que a génese da análise espacial e dos sistemas de informação geográfica teve como ideia conceptual o trabalho realizado por John Snow, médico inglês, considerado como o pai da epidemiologia moderna.
Demonstrou que o surto de cólera, em Londres no ano de 1854, era causado pelo consumo de águas contaminadas com matérias fecais, ao comprovar que os casos dessa doença se agrupavam nas zonas onde a água consumida estava contaminada com fezes. Nesse ano cartografou num mapa do distrito do Soho os poços de água e a população afetada, localizando como culpado o poço existente em Broad Street, em pleno coração da epidemia. John Snow recomendou à comunidade fechar o poço, facto que levou a que os casos da doença fossem diminuindo. Este episódio é considerado como um dos exemplos mais precoces no uso da análise geográfica para a descrição de casos de uma epidemia.
O trabalho realizado por John Snow em Inglaterra ajudou a romper com os paradigmas existentes à época em que ainda predominava uma forte crença na teoria miasmática da doença, também denominada “teoria anti-contagionista”.  John Snow baseou as suas teorias metodológicas no “método epidemiológico”, o qual tem sido utilizado através da história tanto para a investigação das causas, como para a solução das fontes de todas as doenças transmissíveis. Ainda recentemente se usa este método para a investigação de inúmeros problemas de saúde e doença que afetem às comunidades humanas
Atualmente e devido à pandemia do surto provocado pelo novo vírus SARS-CoV-2 os primeiros indicadores como representação da evolução da doença, foram os mapas interativos e os dashboard’s de representação dos países e populações afetadas, evolução da doença entre outros. Com recurso a inúmeras tecnologias disponíveis, no acesso a dados abertos foi possível num curso espaço de tempo a comunidade científica, politica, e civil, criar e disponibilizar os seus interfaces digitais de divulgação de informação oficial, assim como tornar do conhecimento público todos os dados de evolução.
Mais do que um discurso eloquente de um qualquer gestor de crise, a representação dos países afetados e da evolução da doença, assim como a visualização de um conjunto de indicadores, tem um papel fundamental na sensibilização das populações nomeadamente para o cidadão comum que ao visualizar um simples número representativo de um indicador, por exemplo n. de afetados, n. de mortes, assim como uma linha em gráfico de evolução da doença, estes tem um “poder de massificação e sensibilização” da população em geral para o problema global e não apenas “dos outros”.
Sem dúvida que a componente da análise estatísticas associada à componente da análise espacial é atualmente uma fermenta de gestão que permite mitigar e minimizar os impactos da doença, permitindo redirecionar meios e recursos de modo a eliminar e/ou minimizar focos da doença.
Os resultados que todos temos assistido que resultam do conjunto de dados cedidos pela organização mundial de saúde, assim como as organizações nacionais e regionais, seriam ainda objeto de outro tipo de análises que poderiam ter um papel ativo na interpretação dos resultados, nomeadamente: Porquê o Norte de Portugal ser o mais afetado? Porquê os concelhos do Porto, Lisboa Vila Nova de Gaia, próximo dos grandes centros urbanos são os mais afetados? A causa será apenas da densidade populacional? Ou será pela proximidade a grandes áreas comerciais? Pela proximidade a aeroportos e centros turísticos? Pela proximidade a grandes zonas empresariais e menos de serviços? Qual a origem das populações afetadas? Qual a origem do foco? Foi um conjunto reduzido de indivíduos ou um único individuo que esteve num país afetado e que disseminou pela restante população o vírus? Quais os seus percursos desde que regressou? Onde foi? Com quem esteve?
Estas e outras questões poderão e deverão ser colocadas, sendo que neste caso em particular, não deverão estar totalmente a ser analisadas no presente momento, uma vez que a prioridade é o tratamento das populações afetadas. No entanto estou em querer que no pós-pandemia, a multiplicidade de estudos, análises científicas, publicações, deverão ser tidas em consideração de modo a minimizar a progressão de uma doença tão grave como esta, que todo o mundo está a viver.
A informação geográfica quando utilizada com rigor científico, adequada ao fim a que se destina, permite a agregação de diferentes fontes e tipologia de dados de informação, representação e análise geoespacial e geoestatística como suporte à resolução de um problema ao nível de uma escala global ou local.

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