Há Engenharia na utilização dos fagos

por Pilar Baylina, Engenheira Química

Breve história sobre Fagos e o papel (quase) ilimitado da engenharia na sua utilização
Os fagos, também conhecidos como bacteriófagos, foram descobertos por dois microbiologistas de forma independente: Frederick Twort (Inglês) em 1915 e Félix d’Herelle (Francês) em 1917. Os fagos são, na realidade, vírus predadores de bactérias. Estes vírus, que  têm a particularidade de apenas infetarem as bactérias e não interagirem com qualquer outro tipo de célula humana ou animal, poderão ser considerados, entre outras coisas,  a nova esperança no tratamento de infeções bacterianas.
A investigação e utilização de fagos no tratamento de infeções bacterianas foi amplamente desenvolvida na antiga URSS, em Tblisi (Georgia), mantendo-se aí os principais centros atuais de terapêutica fágica. Realça-se que o desinvestimento do interesse dos países ocidentais na terapia com fagos deve-se, em grande parte, ao aparecimento do antibiótico, amplamente explorado pelas farmacêuticas ocidentais.
Acontece que neste momento a humanidade depara-se com outro desafio idêntico, de certa forma, ao existente antes da utilização dos antibióticos: existem cada vez mais bactérias, causadoras de patologias consideradas comuns com uma elevada resistência aos antibióticos existentes. Se juntarmos isto ao facto de haver um desinvestimento progressivo, por parte das farmacêuticas, na descoberta e desenvolvimento de novas moléculas de antibiótico capazes de inverter esta situação, a perspetiva futura, em termos de tratar patologias causadas por estas bactérias, será um “déjà-vu” do vivenciado antes da descoberta do antibiótico…
Dado o contexto atual das multi-resistências a antibióticos e dos seus efeitos secundários, com a qual a sociedade se depara, os fagos, são na realidade as verdadeiras “balas mágicas”, ao contrário do anunciado em relação ao antibiótico.
No entanto nem tudo é perfeito e, na realidade, existem diversos fatores que podem por em causa a utilização do fago na terapêutica humana:
O fago, ao contrário do antibiótico, é de uma especificidade incrível pois atua ao nível da estirpe de uma dada espécie. Assim sendo no tratamento de uma dada patologia esta característica torna-o um agente perfeito, no que diz respeito à não interação com outras células (não danificando qualquer outra célula), mas também um agente limitado quando isolado, pois sabemos que na base de muitas patologias atuam diferentes estirpes da mesma espécie. Assim sendo a utilização de cocktails de fagos é o mais adequado, e utilizado, principalmente, pelos países de lest
Não são ainda bem conhecidos os efeitos tóxicos no organismo animal e vegetal causados pelas bactérias lisadas pela atuação dos fago
A capacidade de mutação das bactérias, algo que lhes permite tornarem-se resistente aos antibióticos, também as pode tornar resistentes aos seus fagos “predadores”.
E é aqui que a engenharia faz a diferença mais uma vez: A engenharia genética dos fagos tem sido bastante potenciada pelo conhecimento atual do genoma de diversos fagos, totalmente sequenciados, que se encontram disponíveis em bases de dados públicas. Neste momento o desenvolvimento da engenharia nesta área poderá potenciar a utilização dos fagos nos sistemas na deteção (p.e. utilização de fagos com caraterísticas modificadas de luminescência e fluorescência), no controlo de bactérias (p.e. utilização de fagos como antibióticos; modificação de fagos para potenciar a atividade antibacteriana), na otimização dos mecanismos de entrega dos fármacos e mecanismos de ação farmacocinética (p.e. entrega de fármacos oncológicos, entrega de anticorpos, desenvolvimento de vacinas), entre outros..
Em Portugal, mais especificamente, no Norte destaca-se a investigação efetuada nesta área pelo centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho. Este centro tem desenvolvido diversos estudos relacionados com esta temática que têm demonstrado a importância da engenharia na potenciação de elementos naturais, como os fagos, na melhoria da promoção da saúde e segurança dos seres vivos.
Mas as suas capacidades não se esgotam nos fins terapêuticos e na promoção da saúde e segurança dos seres vivos. Os fagos também têm grande aplicação na engenharia dos materiais, como a construção de nano-materiais, capazes de armazenar energia, no desenvolvimento de biossensores, capazes de deteção de agentes biológicos e químicos, e na regeneração de tecidos. Há também a possibilidade de utilizar fagos modificados para  construir cristais líquidos assim como fabricar micro e nanofibras.
O potencial total dos fagos nas mais diversas áreas, e com a ajuda sempre presente da engenharia, poderá ser ilimitado.

  1. Salmond GPC, Fineran PC. A century of the phage: past, present and future. Nature Reviews Microbiology. 2015;13:777.
  2. Chanishvili N. Chapter 1 – Phage Therapy—History from Twort and d’Herelle Through Soviet Experience to Current Approaches. In: Łobocka M, Szybalski W, editors. Advances in Virus Research. 83: Academic Press; 2012. p. 3-40.
  3. Pires DP, Cleto S, Sillankorva S, Azeredo J, Lu TK. Genetically Engineered Phages: a Review of Advances over the Last Decade. Microbiology and Molecular Biology Reviews. 2016;80(3):523-43.
  4. Aldridge S. Magic Molecules: How Drugs Work. Cambridge: Cambridge University Press; 1998.

 

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