Um dos grandes teasers da quarta conferência do “Há Engenharia Fora da Caixa” prendia-se com a questão: por que não dormimos bem neste contexto de teletrabalho e pandemia que todos estamos a viver? E José Soares, Professor Catedrático de Fisiologia da Universidade do Porto e Especialista em Performance Humana deu-nos claramente a resposta. Mas deixou muitas outras mensagens que vale a pena rever e reter .
Foi a Tito Conrado, membro do Conselho Diretivo da Ordem dos Engenheiros – Região Norte (OERN), a quem coube a tarefa de conduzir esta quarta conferência e que enalteceu, na sua intervenção inicial, o trabalho de equipa que tem sido constante na OERN, mas com especial enfoque nestas conferências “O tema destas sessões foi decidido numa reunião e, na semana seguinte, num verdadeiro espírito de equipa, o projeto estava praticamente finalizado. Escolheram-se oradores, fizeram-se convites, planearam-se ações e arrancou-se com a iniciativa. Um verdadeiro trabalho de equipa, que construído pelo presidente, pelos membros da direção e pelos colaboradores da OERN que colocam em prática estas sessões.”
Poças Martins, presidente da OERN, tinha também, minutos antes, relembrando que “este é um conjunto de conferências que a OERN iniciou neste período de Covid-19, para as quais decidiu convidar, não engenheiros, mas personalidades interessantes, diferentes, de primeira linha, a quem pedimos que compartilhem connosco aquilo que acham do momento em que estamos” Poças Martins partilhou ainda que “estas sessões estão a chegar a todo o mundo.”
O que José Soares disse
Sobre a performance dos Engenheiros em tempos de grandes constrangimentos
Eu percebo que estamos numa altura em que o vosso tipo de formação, por ser de banda larga, tem um papel importantíssimo do ponto de vista social. Hoje trabalho com mais engenheiros, tenho um projeto na Delloite que se chama Fuel, um projeto de melhoria da performance, com Inteligência Artificial, com Machine Learning, etc. e quem está à frente disso são engenheiros. Se há área do conhecimento em que vai ser decisiva nesta fase, claro que a medicina obviamente, mas logo depois a Engenheira. E eu acho que é exatamente por isto, por esta visão de banda larga que tem e que se aplica nas mais diferentes áreas.
Sobre como trabalhávamos antes da Covid-19
– never offline, por exemplo o facto de sentirmos o telemóvel mesmo quando não estamos com ele significa que temos uma representação cerebral da colocação do telemóvel e isso, do ponto de vista biológico, significa que estamos a utilizar uma energia desnecessariamente e isto é um fator adicional de fadiga;
– Elevada pressão;
– Longas horas de trabalho.
Sobre como dormimos
Depois de uma noite de sono só uma em quatro pessoas se sente completamente recuperada para iniciar um novo dia de trabalho e isso obviamente afeta a performance. Portanto esta forma como estamos a trabalhar precisa de uma certa mudança. Há formas de melhorar a nossa performance, o nosso rendimento, sem sermos completamente loucos a trabalhar (risos).
Só que a mudança de comportamento é muito difícil. A mudança assenta em dois princípios básicos, o aceitar o “problema” e compreender o impacto que esse problema tem em nós.
Sobre como trabalhamos atualmente
– isolamento social;
– teletrabalho;
– pressão social;
– incerteza.
Sobre o que a Covid-19 está a acrescentar à forma como estamos a trabalhar
Está a acrescentar um excesso de informação, ou seja, é como se tivéssemos uma informação sublimar no nosso cérebro, que nos ocupa espaço e que nos ocupa energia e por outro lado também perdemos as referências.
Sobre o que podemos fazer para aumentar a nossa capacidade cognitiva
Exercício: A quarta causa de morte precoce é as pessoas passarem muito tempo sentadas. Quando passamos muito tempo sentados, não só perdemos músculo como geramos inflamações. A inflamação tem um papel decisivo para a função cognitiva, ou seja, inflamados pensamos pior. A “regra” é, por cada 60 minutos sentados, mexer-nos 3 minutos.
Nutrição: O cérebro consume 25% da nossa energia. Quando estamos com níveis de stress muito grandes refugiamo-nos na “comida de conforto” para nos sentirmos melhor. É um aspeto a ter em conta e a ter cuidado.
Sono: Estamos a dormir mal, e por isso já acordamos cansados. Devemos preparar o sono. Devemos preparar o sono com o mesmo cuidado que preparamos as nossas refeições. Portanto antes de dormir não devemos fazer exercício físico e não devemos utilizar aparelhos digitais. Devemos também apanhar sol, nem que seja 10/15 minutos.
Relaxamento: o segredo é equilibrar o nosso “acelerador” com o nosso “travão”. “Stress demands rest, and rest supports stress”
As perguntas dos Engenheiros
Reparem na contrariarão que estamos a viver. Em primeiro lugar há pessoas, e ainda li ontem um artigo da Time, a dizer que muitas pessoas estão a reequacionar os espaços de trabalho. Por exemplo o Twitter, veio dizer que provavelmente já não vão voltar aos escritórios, nunca mais. Perceberam que conseguem trabalhar de casa. Mas ao mesmo tempo até algumas empresas, muito antes disso, começaram a fazer open space. Claro que há também a questão da ocupação do espaço, mas uma das grandes vantagens é as pessoas contactarem com as outras. Nós, intrinsecamente, do ponto de vista humano, quando estamos com níveis de stress muito altos produzimos uma hormona que é o cortisol em elevadíssima quantidade e nós sabemos que o cortisol interfere com a produção de uma outra hormona, a oxitocina a hormona da confiança, da relação entre as pessoas.
As equipas hiperfuncionais, as equipas de alta performance têm níveis de oxitocina muito altos. Portanto, nós ao trabalharmos de forma remota, obviamente, na minha perspetiva, acho que há algumas coisas que se podem fazer, mas vamos perder uma das condições humanas fundamentais que é o contacto.
O Skype, o Zoom são muito importantes, mas há temas que de facto têm que ser tratados cara a cara. A expressão verbal, a forma como estão, etc. são decisivas e, portanto, eu acho que em muitas circunstâncias vai ajudar, noutras circunstâncias acho que é um contrassenso, até relativamente a uma coisa que as pessoas andavam a defender há um ano ou dois, que era todas as empresas hoje trabalhavam em open space.
Como é possível motivar uma equipa em tempos de confinamento?
Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares. Nunca, como agora, vai ser tão necessário a motivação intrínseca, ou seja, a motivação da própria pessoa. Vai gerar uma coisa que é uma área hoje interessantíssima, que é a chamada neuro economia. Nunca como hoje, se vai colocar tanto em causa, por exemplo, o bónus, porque as pessoas têm de encontrar motivos intrínsecos para trabalharem porque o ambiente é extremamente agressivo.
Nós vamos sofrer, não tenho dúvidas nenhumas, todos os indicadores da ONU dizem isso, toda a gente da saúde mental, muita gente vai sair daqui com stress pós-traumático. E isso é a pior coisa, quando nós ficamos muito centrados nisto, nós pensamos em nós, toda a gente sabe isso perfeitamente. A empresa é toda muito importante, tudo é muito importante, mas se alguém tiver que se salvar vou ser eu o primeiro a salvar e esquece a equipa. Trabalhar em equipa nestas circunstâncias ou as empresas conseguem desenvolver motivação intrínseca, ou seja, valorizar as pessoas por aquilo que são e não pelos bónus, os bónus, nesta altura, na minha perspetiva, vão dar asneira.
Como se gere o stress ao começar a sair à rua, com medo de apanhar o vírus?
A fonte de geração de maior stress é, de facto, a incerteza. O medo vai ser uma coisa muito interessante. Estava a ler um artigo sobre como é que nós vamos regressar ao trabalho, de que forma, vamos regressar mais desconfiados. Reparem, eu se for trabalhar e se souber que a pessoa que está ao meu lado pode, eventualmente, estar infetado, eu vou ter que destinar uma parte do meu cérebro, mesmo que seja subliminar, preocupado com ele. E isso o que é que vai fazer? Eu vou desgastar alguma da minha capacidade com essa incerteza. E portanto, eu estou convencido que mais do que nunca, agora, vai ser necessário este equilíbrio do sistema nervoso simpático e parassimpático.
Este estado de alerta resultará do medo ou do stress/ansiedade?
Isso é uma coisa típica. Por causa desta componente quase subliminar, em que nós não nos apercebemos que estamos num overload de informação, mais o trabalho propriamente dito, mais toda esta informação adicional, isso cansa-nos. E ao cansar-nos, cansa-nos do ponto de vista biológico, nós perdemos capacidade de concentração, perdemos capacidade de foco e não nos apetece fazer nada e é por isso que as pessoas, nestas circunstâncias, tem muito mais tendências ansiosas, depressivas e o que é que fazem? Vão buscar uma coisa que as acalma, o que é que acalma? Doptamina. O que é que está mais próximo à mão? É pousar o livro e ir buscar um iogurte ou um quadrado de chocolate. Isso é uma coisa normalíssima, uma das razões do stress/fadiga é a incerteza.
Como gerir pessoas sem autonomia em regime de teletrabalho? Esses colaboradores menos aptos para controlar e executar tarefas poderão estar neste regime?
Daquilo que tenho conversado com as pessoas, nesse tipo de pessoas a quebra da produtividade tem sido enorme. O que está a acontecer é pessoas com o nível de diferenciação muito elevado, estão a trabalhar muito mais do que aquilo que trabalhavam, porque o computador está à mão, os mails estão à mão, e, portanto, passaram a trabalhar mais. As pessoas mais infoexcluídas, as pessoas que tem um grau de diferenciação menor, o nível de produtividade é muito mais baixo. A Yahoo foi a primeira empresa a fazer teletrabalho e também passado pouco tempo desistiu porque o nível de produtividade baixa.
Modelar as pessoas com poucas horas de sono, como o Presidente da República, para aumentar a produtividade é uma boa prática?
Vocês são atletas corporativos. São pessoas que, do ponto de vista corporativo, tem que ter um nível de performance muito alto. Portanto esta ideia de que nós se dormirmos menos vamos ser mais produtivos, é uma ideia completamente peregrina. Em biologia, tudo se paga, se não se pagar agora, vai se pagar mais tarde.
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Edição e texto: Catarina Soutinho | Transcrição: Sofia Vieira e Inês Miranda | Design Gráfico: Melissa Costa